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O desafio de democratizar a segurança pública
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

O desafio de democratizar a segurança pública


Em uma semana marcada por tantos acontecimentos políticos, uma boa notícia ganhou pouca repercussão: o lançamento da “Agenda de Segurança Cidadã” na Câmara dos Deputados. O estudo do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara (Cedes), que teve como relator o deputado federal Paulo Teixeira (PT- SP), reúne contribuições de 15 especialistas para a área da Segurança Pública. O objetivo é implementar a proposta de uma segurança cidadã que desmonte o círculo vicioso da violência, atuando primordialmente nas causas primárias, em especial na promoção de ações que eduquem, socializem e integrem os jovens.
 

O Brasil vive um paradoxo: enquanto viu seus indicadores sociais e econômicos melhorarem significativamente nas duas últimas décadas, os números da violência só aumentam. Os estados do Nordeste registram uma escalada inédita nos homicídios, enquanto o Rio de Janeiro vive sob o regime de uma intervenção militar. Além disso, o sistema penal enfrenta os efeitos nefastos de uma superpopulação carcerária.
 

A falta de integração é uma palavra-chave do diagnóstico feito pela Agenda. Os entes federados atuam de forma desencontrada. Em outra frente, as polícias operam a partir de uma estrutura muito compartimentada e pouco articulada com as instituições de justiça criminal. As propostas de melhoria e de ações estruturam-se em cinco eixos. A coluna apresenta algumas das proposições.
 

Elementos estruturais, competências e instrumentos. Discussão e aprovação de um conjunto de alterações normativas (constitucionais, infraconstitucionais e infralegais) na governança da Segurança Pública; fortalecimento e ampliação de formas de participação e controle social; superação do corporativismo, que impede discussões mais aprofundadas no setor dos serviços relacionados à Segurança Pública.

Reestruturação dos sistemas policiais. Reconstitucionalizar as polícias; implantar uma estrutura sistêmica e integrada de coordenação; criar uma doutrina do uso da força; definir as competências específicas em relação às atribuições das polícias e suas complementaridades; implantar uma corregedoria externa das polícias civil, militar, federal e demais corpos policiais; criar um centro de excelência em ensino e valorização dos profissionais da Segurança Pública; implantar consórcios, a fim de reunir os seus níveis de coordenação e articular dados por meio de um sistema integrado de gestão da informação.

Justiça Criminal. Ampliar a aplicação da Justiça restaurativa; alterar a Lei de Droga, para estabelecer limitações ao uso da pena de prisão; regulamentar o autocultivo de maconha, assim como seu uso medicinal, com o estabelecimento de critérios objetivos para diferenciação das ações que configuram uso e tráfico; melhorar as condições de cumprimento das penas.
Sistema Penitenciário. Implementar estratégias que priorizem a agenda de alternativas penais; criar academia nacional de serviços penais e penitenciários; padronizar regimentos e procedimentos operacionais e administrativos, de forma a reduzir a discricionariedade e a arbitrariedade da administração prisional; neutralizar a influência das facções na provisão de bens e serviços no ambiente prisional; universalizar a política de acesso monitorado dos internos à telefonia pública para contato com familiares, com políticas de bloqueio de sinais de dispositivos irregularmente introduzidos.

Prevenção à violência, redução de homicídios e políticas setoriais. Estabelecer a política de redução de homicídios, focalizando os territórios e públicos em que se concentram as mortes violentas; promover uma política de desarmamento, visando reduzir a circulação ilegal de armas de fogo e munição, com o fortalecimento do controle sobre o acesso às armas; instituir uma política de redução de danos para usuários de drogas; criar políticas de segurança e direitos humanos para a população negra, mulheres e público LGBT; promover o direito à cidade e à mobilidade urbana, favorecendo a convivência.

Por óbvio que o espaço reduzido da coluna é insuficiente para analisar cada eixo. Trata-se de uma tarefa a ser levada adiante pela sociedade civil, por políticos e profissionais da Segurança. Em comum às proposições, o estímulo à maior participação social nas práticas de gestão e do controle social da violência. A mentalidade que ainda impera nas forças de segurança está fortemente impregnada por um modelo autoritário anterior à Constituição de 1988. Embora o contexto político seja adverso, apostar na democratização da Segurança Pública é a única alternativa para não cairmos em um estado de barbárie absoluta.

 

RICARDO MOURA 

RICARDOMBC@GMAIL.COM | 85 3255 6248

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