Logo O POVO+
Maurício Gentil
Foto de Raymundo Netto
clique para exibir bio do colunista

Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.

Maurício Gentil


Maurício Gentil o era tanto quanto o seu nome acusava. Naquela manhã, à exaustiva esperança de prole pela esposa, adentrava uma clínica a cumprir o espermograma. Tímido, pensava em como falar com a moça da recepção sobre “aquilo”... Nem precisava. Ao vê-lo, lançou à queima-roupa, na frente dos clientes, perguntas indiscretas sobre hábitos íntimos e outras coisas do tipo. Gentil travava, murmurando sins ou nãos hesitantes. Ainda na recepção, disfarçou ler jornal, enquanto assistia à saída de outros homens de uma saleta de porta apertada. Discretos e ligeiros, se dirigiam à mulher, lhe entregavam algo e corriam. Foi quando ela gritou, mortalmente: “Sr. Gentil, é a sua vez, por favor!” Trêmulo e desajeitado, dirigiu-se a ela, que o entregou um frasco, teceu recomendações de higiene e o conduziu à saleta, lhe fechando a porta na cara. Não havia mais o que fazer. Acuado e em desamparo absoluto, lançou-se, copinho na mão, numa poltrona larga, diante de uma TV que exibia uma frenética e barata cena de sexo, com mulheres de seios enormes gritando por Deus, feito loucas. Ao lado, revistas pornográficas e fotonovelas eróticas, com páginas pregadas, rasgadas por algum aspirante a maníaco sexual.

[QUOTE1]

Maurício deprimiu-se. Lembrava-se da mulher em casa, há meses, apontando-lhe a dedo o compromisso conjugal e, naquela manhã, o acordar solícito no preparo de vitaminas e outras misturas exóticas. Estava lá agora, à pouca luz, cercado de mulheres nuas, a calça nos joelhos, distraído no vazio daquele ridículo copinho de plástico, quando despertou ao chamado do celular – o hino do Botafogo! No visor, a foto sorridente daquele insuportável cunhado: “Raimundão, não não po-posso falar agora não, ca-cara. Estou no médico. Liga o-outra hora, tá?” E desliga, justo quando a atendente bate na porta: “Está tudo bem, seu Gentil?” Ele, vestindo desastradamente a calça, diz que sim. Dirige-se à porta. Vê que não tem como trancá-la. Fica ainda mais nervoso. Teme que ela ou algum cliente desavisado possa abri-la a qualquer momento e flagrá-lo ali, nuzinho, com a mão boba. Olha para a TV, vê aqueles homens mandando ver, despejando virilidade, e ele achando a brincadeira sem graça, querendo morrer, mas sem saber como dizer àquela mulher que daquela vez não deu... e, claro, que isso nunca havia acontecido antes.


Ela já batia à porta outra vez, quando ele desligou a TV, sentou, fechou os olhos e tentou concentrar-se devagarinho, pensar em algo bem sexy e estimulante. Foi quando se deu a tragédia. Numa armadilha do inconsciente, apenas uma imagem tomava conta de seus pensamentos: a maldita foto daquele cunhado em seu celular. Não adiantava, virava para um lado e para o outro, tentava pensar na mulher, na namorada da faculdade, na vizinha, mas aquela imagem, ao som do hino da “Estrela Solitária”, parecia pregada na sua testa. Desesperado, após uma nova intervenção da atendente na porta, conseguiu num vaivém murcho coletar uma gota, uma única e risível gota! Ah, não, não precisava passar por isso. Ele não. Era tão homem quanto qualquer um ali. Daí, pegou o copinho, abriu a torneira da pia e misturou com o dedo. Respirou fundo e, como a melhor forma de defesa é o ataque, partiu para cima da atendente! Deixando o seu copinho no balcão ao lado, praguejou contra aquela barulheira na recepção, aqueles filminhos chinfrins, da ausência de uma musiquinha para dar o clima, do excesso de luz e até das cores frias das paredes; “Não sei é co-como vocês a-ainda não fecharam?” Ela, com olhar a meio pau, fria como a tal parede, apenas perguntou: “E a sua amostra, onde está?” Perturbado, Maurício virou-se, encontrando na mesa onde colocara sua amostra apenas um copinho de plástico com chá, enquanto, pela janela, outro paciente colocava os bofes pra fora.

 

Foto do Raymundo Netto

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?