Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.
Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.
Quando saí de casa(mento), há seis anos, perdi-me num shopping e, sem destino, esbarrei na tela prateada – já percebo um padrão. Estava em cartaz O Palhaço, também do Selton. Para mim, naquele momento, a sua temática – a busca da identidade, do significar o seu lugar e o seu fazer no mundo – era-me tão tocante, que não consegui assisti-lo inteiro, o que faria, menos melancólico e mais seguro, anos mais tarde.
Agora, ali, em uma fotografia deslumbrante de Walter Carvalho, a mirar a Serra Gaúcha, em frios anos de 1960, envolvido pelo contraste de um figurino e cenário vintage, matizado em cores quentes, ao som inocente e vibrante de Coração de Papel – nem vou falar de Aznavour, Dalva de Oliveira, Nina Simone (I put a spell on you) –, revia festas a radiolas, interpretação de novelas de rádio, lustres – o mesmo que tinha em nossa casa no Monte Castelo –, máquinas datilográficas, lambretas, paisagens de janelas de trem, estações e um luar ingênuo de anos dourados.
Entretanto, o filme, o terceiro longa dirigido e roteirizado por Selton Mello, uma adaptação livre da obra Um Pai de Cinema, do chileno Antonio Skármeta – o mesmo autor de O Carteiro e o Poeta e que cumpre uma ponta no filme –, trata de abandono.
Tony Terranova (Johnny Massaro) é filho de Nicolas e Sofia. Ele (Vincent Cassel), francês; ela (Ondina Clais), brasileira. Foi a capital para estudar e quando volta, professor de francês com diploma na mão, no mesmo trem em que chega à estação, seu pai parte, num abraço silencioso. Esse mesmo silêncio reverbera durante toda a película em forma de espinho (leia-se “poesia”), incompreensão e desgosto, no que é acudido por Paco (Selton Mello), que tenta substituir a figura paterna, e pela atenciosa e fotomaníaca Luna (Bruna Linzmeyer). Aliás, ao mesmo tempo em que as referências nos declaram uma delicada homenagem ao cinema (impossível não perceber o mesmo tom de Cinema Paradiso), também se desmancha à fotografia.
A memória é marca desse jovem diretor que, além de buscar no passado as suas referências, também nos permite encontrar personalidades, como Rolando Boldrin, que interpreta um maquinista em O Filme da Minha Vida – e que sempre soube “que a viola fala mais do que o peito humano” –, assim como o fez com Paulo José e Moacyr Franco em O Palhaço.
O filme nos diz, tanto à alma quanto aos olhos, como as escolhas, voluntárias ou não, podem tirar-nos ou colocar-nos nos trilhos, e pontua sobre o certeiro fim das coisas eternas. Poderia até criticar algumas bobagens, mas as tecnologias e o computador já nos ensinaram que a arte está na imperfeição. Outra coisa que aprendi, é que quem anda com porcos, se torna parecido
com eles.
E o fim, ah, esse eu não posso contar.
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