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Os limites das artimanhas

2017-12-15 01:30:00
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Michel Temer (PMDB) mostrou ser capaz do improvável. Normalmente, governos são tão fortes quanto o apoio popular que possuem. Essa é a medida das ações impopulares que conseguem emplacar. José Sarney (PMDB) era forte na época do lançamento Plano Cruzado.

Quando o pacote econômico fez água, a aprovação do presidente e a capacidade de governar desandaram. Em seu primeiro ano de administração, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou seu capital político para mexer nas aposentadorias do serviço público, estabelecendo taxação sobre benefícios e pensões. No primeiro governo, Dilma Rousseff (PT), ainda muito popular pela “faxina” de ministros suspeitos de corrupção, também mexeu nas aposentadorias. Acabou com o benefício integral para novos servidores e estabeleceu fundo de previdência complementar. Três anos depois, a então presidente, com popularidade no chão, sofreu derrota atrás de outra, nas mãos da Câmara controlada com Eduardo Cunha (PMDB-RJ). No caso de Temer, mesmo tremendamente impopular, conseguiu alguns feitos improváveis. Estabeleceu agenda legislativa complicada e com dose significativa de sucesso.


Mudou, sobretudo, a legislação trabalhista. Talvez a reforma mais profunda desde a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vão-se lá 74 anos. Colocou na Constituição regras sobre limites na expansão de gastos. No teste maior e mais importante, todavia, o governo estanca. A Previdência não será mais votada este ano e talvez não seja ano que vem. Temer está ameaçado como nunca de fracassar na principal tarefa que estabeleceu para si.


Até hoje, o presidente conseguiu manter a força política apesar da impopularidade. Fez isso com profundo conhecimento dos meandros da política, cofre aberto e domínio das artimanhas. Porém, tudo tem limite. Temer pode estar conhecendo o seu, justamente no que mais queria aprovar.

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O QUE MUDA COM O RECESSO


O governo apostou no adiamento porque, enfim, não teve alternativa. Apesar de algumas tentativas de demonstrar otimismo, a reforma não tinha votos e não iria alcançar o apoio necessário até a semana que vem. A decisão foi jogada para fevereiro. O tempo que ajuda pode atrapalhar.


Ajuda porque, enfim, amplia-se a possibilidade de negociação, de oferecer mais ainda em troca do apoio dos deputados. O Palácio do Planalto tem jogado pesado e com armas de todos os tipos para aprovar a emenda à Constituição. Deverá manter esse ritmo em janeiro.


Porém, quanto mais perto da eleição, maior a dificuldade em mexer em questão tão delicada. A suscetibilidade dos parlamentares a desgaste e críticas fica maior. Ninguém vai querer comprometer uma reeleição por um governo quase no fim. Durante o recesso, os deputados ficam mais perto das bases. Então, sofrerão a pressão e ouvirão as críticas mais de perto. É fator que pode pesar de modo diferente do que o governo espera.


Não que seja impossível mexer na Previdência em ano eleitoral. Em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) conseguiu isso. Mas, o contexto era outro e, além do mais, a principal mudança na época — a idade mínima da aposentadoria — não passou por um voto.


EMPURRÕES SUCESSIVOS


O governo apresentou sua proposta de reforma no fim do ano passado. Pretendia votar, em princípio, até março deste ano. Jogou para abril. Em maio, veio a delação de Joesley Batista e atropelou tudo. Quando a situação se acalmou um pouco, um vice-líder do governo, Beto Mansur (PRB-SP), deu a medida da urgência. “Temos que votar a reforma da Previdência entre agosto e setembro ou não dá mais tempo”, disse em julho.


Quando Temer se livrou da primeira denúncia de Rodrigo Janot, a perspectiva passou a ser aprovar a reforma em outubro. Depois, novembro. O assunto foi pautado para a primeira semana de dezembro, adiado para esta semana, para a semana que vem. Na terça-feira passada, Temer afirmou: “É fundamental que votemos a reforma da Previdência ainda este ano”. Dois dias depois, a questão é jogada para depois do Carnaval.


Em julho, Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil, estabeleceu o que considerava prazo limite: “O que temos que ter no horizonte é que devemos votar o que se trata de reforma, no máximo, no máximo, até 31 de março do ano que vem. Abril do ano que vem em diante, nós não vamos mais conseguir aprovar matérias que exijam quórum qualificado porque a campanha estará na rua”.


Com a votação iniciada em 19 de fevereiro, é improvável resolver o assunto também no Senado em menos de um mês e meio.

Adriano Nogueira

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