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O tempo e o simbolismo da punição

2017-12-20 01:30:00
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A prisão de Marcelo Odebrecht foi um marco de uma ruptura na Justiça brasileira. O tempo em que permaneceu na cadeia, por sua vez, é emblemático das limitações e do quanto há por avançar. Com todos os questionamentos que passou a sofrer das várias partes, com todos os equívocos, todas as posturas inadequadas, a Lava Jato quebrou paradigmas e fez o impensável na manhã de 19 de junho de 2015, quando foram presos os presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo.

Não surpreendeu a ninguém que houvesse esquema de corrupção envolvendo grandes empreiteiras. Em 1993, a CPI dos Anões do Orçamento constatou a existência de esquema de corrupção que envolvia pagamentos de construtoras a políticos. Documentos apreendidos pela Polícia Federal na casa de um diretor da Odebrecht levaram à descoberta de um cartel de 12 empreiteiras. O grupo repartia entre as obras custeadas por dinheiro do Orçamento da União.

As licitações eram previamente combinadas. Quem vencia pagava uma “cota” às demais. Uma maneira de resolver entre elas a questão, driblando a concorrência pública. Assim, valores também podiam ser combinados, sem entrar no leilão governamental, que busca o menor preço. Eram suspeitas de participar daquele esquema OAS, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, sob comando da Odebrecht. Isso foi 21 anos antes da Lava Jato, 22 anos antes da prisão dos dois empresários citados no início.

A CPI do Orçamento sugeriu a criação de uma CPI das Empreiteiras.

A criação chegou a ser aprovada, mas nunca foi instalada. Em 1995, houve tentativa de reabrir o caso. Esbarrou na posição, por exemplo, do PSDB. O líder do partido no Senado, por exemplo, defendeu a investigação não começasse de imediato. “Devemos dar prioridade às reformas na Constituição”, disse ele à época. Sabe quem era o líder do PSDB em questão: o cearense Sergio Machado, personagens das mais enroladas em denúncias na Petrobras.

O fato de haver corrupção em grandes empreiteiras era amplamente comentado. O que surpreendeu, em 2015, foi o fato de haver punição. E de ela ter chegado à mais alta cúpula das empresas. Aos donos. O que surpreendeu na prisão de Odebrecht foi a demonstração de que o presidente da maior multinacional do Brasil não estava imune a ser punido por corrupção. Se ele podia ser preso, ninguém estava fora do alcance da Justiça.

A DESESTRUTURAÇÃO DE UM ANTIGO PODER


A condenação a 19 anos e 4 meses de prisão, em março de 2016, foi mais relevante do que pode ser a punição a qualquer político. Mais importante que eventualmente prender Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), José Sarney (PMDB). Eles todos estiveram no comando em ciclos específicos. A Odebrecht é um poder que atravessa todos esses ciclos. Mostrar que não é invulnerável é muito significativo.
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Porém, o acordo de delação premiada fechado por Marcelo Odebrecht permitiu que ele deixasse a cadeia ontem (foto). Ficará em prisão domiciliar e com série de restrições. Por mais que se argumente que ele irá usufruir do conforto em uma luxuosa mansão, a restrição de liberdade é sempre um martírio. Liberdade não tem preço. Além disso, o acordo de leniência do grupo Odebrecht prevê a devolução de R$ 8,5 bilhões, em valores atualizados.

Ainda assim, fica a sensação de que a pena é pouco diante da magnitude dos crimes cometidos e confessos, do tempo durante o qual perdurou o esquema, do volume de dinheiro público envolvido.

Não houve impunidade, mas a pena não foi proporcional ao crime.

Preso no mesmo dia que Odebrecht, Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, está em prisão domiciliar desde fevereiro do ano passado. Há uma semana, ele tirou a tornozeleira eletrônica e foi para regime aberto.


DILEMA


Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo tiveram as penas reduzidas em função dos acordos de delação premiada. Há um dilema colocado aí: sem firmar pactos, outros crimes não seriam descobertos. Mais gente envolvida poderia ficar absolutamente impune. Então, é melhor reduzir a pena de alguns em nome de ir mais profundamente na desestruturação do esquema? É questão de difícil resposta e há de se encontrar a calibragem.

No caso da JBS, por exemplo, ficou evidente que o acordo havia sido favorável demais. Quando foram revelados alguns meandros da negociação, ficou mais fácil entender por quê.

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