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Pragmatismo entre Estocolmo e São Bernardo

2017-11-29 01:30:00

Em 23 de agosto de 1973, Jan-Erik Olsson entrou encapuzado, armado com metralhadora e explosivos na agência do Kreditbanken, praça de Norrmalmstorg, centro de Estocolmo. Fez quatro funcionários reféns. Entre as exigências, pediu que fosse levado até o banco Clark Olofsson, um dos criminosos mais conhecidos do país e que havia conhecido na cadeia. Durante seis dias, os seis permaneceram juntos. Conversavam, jogavam baralho, construíram laços afetivos. Em conversas telefônicas com o primeiro-ministro, a porta-voz dos reféns tomava partido dos sequestradores. “Confio plenamente nele, viajaria por todo o mundo com eles”, chegou a afirmar. No sexto dia do sequestro, a Polícia soltou gás lacrimogêneo lá dentro e os sequestradores se renderam. Porém, os reféns se recusaram a sair antes de Olsson e Olofsson, com medo de que os dois fossem feridos. Ao se despedirem, trocaram abraços. Chegou a circular rumor de que Olsson se casou com uma das reféns, o que não é verdade. Porém, chegou a receber visita de reféns na prisão.


O episódio batizou o estado psicológico conhecido como Síndrome de Estocolmo. A causa é comumente atribuída à situação de profundo estresse emocional e físico, no qual pequenos gestos de gentileza têm sentido amplificado. Pode ser mecanismo de defesa, na qual se cria ilusão inconsciente de afetividade mútua, como forma de atenuar a imagem do risco em que se está.


Se o leitor ainda não abandonou a leitura, saiba que nem eu enlouqueci nem você está lendo a coluna errada. É já que chego na política. Fiz esse longo preâmbulo para chegar no PT, mas não apenas nele. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse outro dia que “perdoa os golpistas”. Os petistas apregoam aos quatro ventos que foram vítimas de armação política, usurpação de poder e, no fim das contas, volta a se aliar com eles? Foi a primeira surpresa.


Qual não foi meu espanto ao, no O POVO de ontem, ler que a pré-candidata do PCdoB a presidente, Manuela D’Ávila, admite também se aliar ao PMDB. “Nós achamos que o Brasil sofreu um golpe institucional, mas a eleição de 2018 não é um mero debate sobre oque aconteceu em, 2016”, disse ela. A frase, em bom português, significa minimizar o que os partidos consideram golpe. “Todos aqueles que quiserem se juntar à retomada do crescimento econômico e sair da crise garantindo direitos sociais e individuais para seu povo são nossos parceiros”, estendeu os braços.


Questionar a possibilidade de aliança com o PMDB não se trata de reduzir o debate eleitoral ao que ocorreu no ano passado. A questão é estar na mesma aliança e dividir governo com quem se acusa de ser golpista. Ora, quem faz esse tipo de composição, das duas uma:


1) Ou é leviano na acusação;


2) ou é irresponsável em relação a quem tenta levar para dentro do governo.


O PARÂMETRO MÍNIMO

Não se pode tolerar que políticos esculhambem uns aos outros de manhã e, de tarde, estejam arquitetando alianças. Há de se cobrar o mínimo de compromisso com os adjetivos tão duros mutuamente empregados.

Independentemente de se considerar golpe ou não o que houve com Dilma Rousseff (PT), parece-me claro que a postura do PMDB foi traiçoeira e desleal. Michel Temer conspirou para derrubar a presidente ao lado da qual fez campanha. Com que cara PT e PCdoB admitem composição?


A questão aí não é síndrome de Estocolmo. Não é resultado de trauma ou processos inconscientes. É pragmatismo puro - e é doentil. A estrutura de poder dos anos de lulismo está disposta a se agarrar a qualquer resquício de poder, toda possibilidade de conseguir espaços. A qualquer preço, por cima de qualquer princípio.


Detalhe extra: os movimentos de aproximação têm sido feitos pelos líderes locais, mas os principais dirigentes nacionais que têm se manifestado são do PT e PCdoB. Do lado do PMDB, o cearense Eunício Oliveira é a voz mais expressiva ao falar de aliança, mas sempre trata da questão no âmbito do Ceará. Renan Calheiros negocia em Alagoas. Em Minas Gerais há conversas avançadas. Porém, são os petistas que fazem acenos e demonstram interesse. Romero Jucá (RR), por sua vez, deu sinalizações de que gostaria de vetar acordos locais com petistas. Seria a suprema humilhação.


PARA NÃO ESQUECER

Ponto relevante a lembrar: ao dizer perdoar os golpistas, Lula fazia alusão a frase de Juscelino Kubitschek, a quem em várias oportunidades já se comparou. Antes de assumir o governo, JK foi alvo de articulação na tentativa de impedir sua posse. Mais tarde, ele afirmou perdoar os golpistas de 1955. Em 1964, muitos deles estavam à frente da articulação que implantou uma ditadura militar.

 

Érico Firmo

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