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O conservadorismo como marketing

2017-11-03 01:30:00

Movimentos para censurar obras de arte, controlar o que professores ensinam, estabelecer ensino de uma única religião em escolas públicas. Toda uma plataforma política relacionada ao corpo como grande problema político e comportamental do planeta. O mundo anda para trás? A sociedade se torna mais retrógrada? Mais ignorante? Pode passar por tudo isso. Mas, além de tudo, há uma plataforma política, absolutamente pragmática e com fins eleitorais, que aposta nessa pauta emocional e algo irracional. Dá resultado. Poucas armas na política trazem retorno tão rápido e eficaz quanto as que envolvem muito sentimento e pouca necessidade de pensar. Mobilizam o emocional, dispensam muita reflexão e muita explicação. São eficazes.


O medo é dos instrumentos políticos mais eficazes. Quando um Jair Bolsonaro (PSC-RJ) defende o uso da violência e armar a população contra a violência, mobiliza instintos primitivos e assim consegue votos. Aborda chavões e preconceitos do arco da velha, mas que funcionam. Em 2002, quando isso não dava voto, ele foi bater à porta do então presidente eleito Lula, na Granja do Torto, para pedir a indicação de Aldo Rebelo, então do PCdoB, para ministro da Defesa. O que ele pensava então sobre a “ameaça comunista”? “Hoje, comunista toma uísque, mora bem e vai na piscina”. Faz mais sentido que o pensamento hoje difundido.

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(Hoje, a propósito, Aldo Rebelo saiu do PCdoB, foi para o PSB e sonha em ser candidato a vice-presidente na chapa de Geraldo Alckmin).


O Movimento Brasil Livre (MBL) tem jogado muito bem ao fabricar polêmicas e transformar a ignorância e a desinformação em capital político. Isso enquanto o País pega fogo e as polêmicas de verdade ficam ofuscadas.


Em cada casa legislativa do País, oportunistas descobriram a mina de ouro. O velho proselitismo religioso se funde ao pior da demagogia eleitoreira e alcança patamares jamais imaginados. A Assembleia Legislativa cearense é mostra de como a futrica, o debate sobre arte e a patrulha da vida alheia tem jogado para debaixo do tapete temas importantes. Mas, nas Câmaras de cada município, o obscurantismo também campeia.


O NU E O ESCÂNDALO

A forma como a representação artística do corpo e da nudez se tornaram cavalos de batalha políticos no Brasil é bastante curiosa. Aliás, intriga-me a construção dos discursos religiosos. E, permitam-me um adendo, sou católico, tenho minha fé e conheço os textos bíblicos com algum nível de profundidade e detalhamento. Daí algumas coisas sempre terem me deixado encucado. A nudez é um exemplo.

O capítulo 2 do Gênesis, quando é narrada a criação da mulher, termina assim: “E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam”. No capítulo 3, na narrativa do pecado original, depois que Adão e Eva provam do fruto proibido, Deus pergunta ao homem: “Onde estás?”. Adão responde: “Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me”. Deus retruca: “Quem te mostrou que estavas nu?”.


Observem que, perante Deus, o primeiro sintoma do pecado foi quando o homem sentiu vergonha de seu corpo. Quando tentou esconder sua nudez.


E aí, me desculpem a ignorância, não entendo mesmo como é que isso evoluiu, ao longo da história da religião, para a nudez tornar-se pecado - e não mais a vergonha da criação divina. Para o corpo ser tratado como sujo, impuro, tabu.


Pode até ter seu embasamento, mas, definitivamente, não foi assim que, segundo a Bíblia, a coisa começou.


A NOVA DIMENSÃO DO OBSCURANTISMO

O oportunismo que enxerga na marginalização da arte e do corpo instrumento fácil de fazer político talvez tenha chegado ao ápice na Assembleia Legislativa do Espírito Santo. Os deputados proibiram nudez em exposições artísticas no Estado.

Pela lógica dos sábios parlamentares, até o Vaticano seria ilegal, caso ficasse em território capixaba. Seriam também proibidas mostras de Da Vinci, Goya, Rodin, Renoir, Michelangelo, Rubens, Botticelli, Rafael, Paul Gauguin, Velázquez, Picasso. Aliás, quase todos os artistas plásticos do mundo pelo menos desde a Renascença teriam obras marginalizadas pelos sábios legisladores do Espírito Santo.


A política costuma caprichar, mas essa é uma das medidas mais estúpidas, atrasadas e sem sentido que já vi. Não é pouca coisa.

 

Érico Firmo

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