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Fagulha em meio às trevas

2017-11-17 01:30:00
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A segurança pública atravessa tempos sombrios, sinistros até. Na segunda-feira, 13, quatro adolescentes foram arrancados de dentro de centro socioeducativo no bairro Sapiranga e executados. No mesmo dia, no mesmo bairro, dois corpos esquartejados foram encontrados. Um dia antes, uma cabeça humana foi achada em caixa de papelão, na Bela Vista. Ainda no domingo, corpo de mulher foi encontrado esquartejado na Barra do Ceará. Na quarta-feira, 15, uma mão humana, decepada, foi encontrada em rodovia em Maranguape. Isso não é normal, não é aceitável. A situação é animalesca.


O horror descrito acima transcorreu no intervalo de quatro dias. Infelizmente, porém, o problema não é recente, embora tenha se agravado. Em outubro, O POVO publicou série de reportagens na qual mostrou que, até aquele momento, havia registros de pelo menos 13 corpos carbonizados, dez decapitados e 14 achados com sinais de tortura em Fortaleza e Região Metropolitana desde o início de 2017. Uma calamidade.


Os resultados práticos das políticas de segurança do Estado têm sido erráticos. Desde 2012, os números de homicídios saíram do controle. Em 2014, foram estabilizados. Em 2015 e 2016, houve drástica redução da violência, pela primeira vez em muitos anos. Porém, o fenômeno se deu em meio a informações de pactos entre facções criminosas.


Autoridades governamentais ficavam, na época, enfurecidas quando se dizia que a diminuição da criminalidade podia ter relação com as alianças entre grupos criminosos. A partir de janeiro deste ano, quando os acordos foram rompidos, o aumento da violência passou a ser atribuído à violência entre as facções…


Entre esse cenário de trevas, há um alento. Uma possibilidade de luz. A Prefeitura de Fortaleza passará a tratar o assunto como o que é: uma grave epidemia. Para além da retórica, a decisão envolve uma estratégia e um método. Pode até não dar certo, mas o caminho é correto.


ABORDAGEM DO PONTO DE VISTA DA SAÚDE

Violência é um dos mais graves problemas de saúde pública de Fortaleza hoje. Mata absurdamente, ocupa leitos em hospitais, drena recursos governamentais. A prevenção é imprescindível. Tratar a questão sob essa perspectiva está entre as melhores e mais acertadas atitudes da administração Roberto Cláudio (PDT) até hoje. Algo que exige coragem, por vários motivos.

Ao agir assim, a Prefeitura assume algo que é sua responsabilidade, sim, que mexe diretamente com a vida da população, mas sobre o qual gestões municipais costumam se eximir. Politicamente, talvez traga mais vantagens fingir que o problema não é do município e deixar o governador se desgastar com isso. Ocorre que isso, definitivamente, não é o melhor para a população. Não é o melhor para o interesse público.

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A posição da Prefeitura significa admitir um problema - gravíssimo. Traz potencial desgaste e ainda atinge a imagem de aliado, o governador Camilo Santana (PT). Há vários motivos para ignorar o problema. Porém há um motivo para justificar a atitude: é necessário buscar solução. A gestão municipal deve ter trabalho complementar ao do governador.
A Prefeitura chega onde o Estado não vai, tem instrumentos dos quais o governo não dispõe.


Reconhecer o caráter epidêmico da violência significa dar abordagem científica ao problema. Mapear informações, tratar o assunto com transparência. Trazer conceitos da saúde, usar ferramentas que estão dando certo em outras áreas. E chegar a algo a partir dos efeitos que atingem diretamente a população.


De longe, é a mais séria e consistente proposta para tentar enfrentar a crise na segurança pública do Ceará em muito tempo. Pode até não dar certo. Os efeitos nunca são imediatos. Sozinha, isoladamente, a estratégia não resolverá o problema. Dependerá de outros atores. Porém é um passo consistente e promissor. É mais do que pode ser dito sobre quase tudo o mais que se tentou.

Érico Firmo

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