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A idealização de um novo modelo político

2017-09-01 01:30:00
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A reforma política, que chegou a despontar como prioritária quando a situação do governo Michel Temer (PMDB) ficou mais periclitante, aparenta ter feito água. Houve sinalização de que haveria mudanças muito profundas, mas aparentemente não passarão de ajustes cosméticos. Nenhuma surpresa.


Chegou a avançar ousada proposta de adotar o parlamentarismo. Ou quase isso. Na verdade, a ideia mais em voga era do chamado semiparlamentarismo. No parlamentarismo tradicional, há a figura cerimonial/decorativa do presidente, mas o primeiro-ministro é o líder do partido que conseguir maioria nas eleições legislativas. No semipresidencialismo é diferente.


O presidente é eleito pelo voto direto e fica responsável, por exemplo, pela política externa e pelas Forças Armadas. E, principal atribuição, ele indica o primeiro-ministro, que é quem governa de fato. O presidente tem o poder de nomear, mas, na maioria das nações onde existe o modelo, não pode demitir o premier. Essa prerrogativa de destituição é exclusiva do Congresso Nacional.


Esse é o modelo que Temer defende para 2022. Chegou a falar em 2018, mas viu que é inviável. Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), vai pelo mesmo caminho. Tramita no Senado projeto de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), ministro das Relações Exteriores, com esse teor.


A questão é: a população vota para escolher um presidente, cuja principal função será escolher quem vai governar. Qual o sentido? Por que cargas d’água a população não continua a escolher, diretamente, quem irá governar de fato? Qual a razão de existir esse intermediário? Por que o eleitor passará a votar no mais apto a escolher o governante?


Não chega a ser uma ideia brasileira. Esse semipresidencialismo existe em vários países, inclusive democracias maduras, com diferentes ênfases e distribuições de poderes e atribuições. França, Portugal e Rússia são os exemplos mais notáveis. No Brasil mesmo já existiu algo parecido. Não era semipresidencialismo, por foi na época do Império, no reinado de dom Pedro II. Ele indicava o primeiro-ministro, mas tinha poder de dissolver o gabinete. Aliás, com o poder moderador, o imperador tinha poder de fazer o que bem entendesse. A destituição de primeiros ministros ocorreu mais de 30 vezes ao longo de 42 anos em que perdurou.


No caso brasileiro, é difícil dissociar a ideia da velha e tão presente percepção de que o povo não é apto a decidir seus destinos e os destinos do País. A carcomida visão iluminista, paternalista, de que os mais sábios e iluminados devem escolher pelos outros. O povo toma decisões erradas, sim. Mas penso que política - como tudo mais - é uma pedagogia, um aprendizado. Que lições sejam tiradas dos nossos erros.

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A QUESTÃO CENTRAL

Nas mais recentes manifestações, Temer se disse favorável a referendo para legitimar a emenda constitucional do semipresidencialismo. Excelente notícia. A coluna já defendeu que seria absurdo fazer mudança desse quilate sem ouvir a população. Ainda mais em assunto sobre o qual já houve dois plebiscitos e em ambos prevaleceu o presidencialismo. Não há assunto sobre o qual o povo brasileiro tenha sido mais chamado a se manifestar e sempre tenha decidido na mesma direção.

Na maioria das grandes reformas e mudanças legais que os políticos projetam, a população costuma ser contra. Os governantes costumam achar que o problema é do povo. Por isso, acreditam que é melhor não ouvir a população. Não lhes ocorre que o problema possa estar nas próprias ideias que defendem.


MEDIDAS IMPOPULARES PARA QUEM

É muito comum que grupos de influência defendam que são necessárias medidas impopulares para governar. De fato. É imprescindível contrariar interesses. A questão é: quais interesses. Não faz muito tempo, surgiu ideia de aumento de imposto de renda para quem ganha mais de R$ 20 mil. Foi tanta reação que a ideia foi abortada no mesmo dia. Querem que o governo contrarie interesses, mas apenas os interesses dos outros.

 

Érico Firmo

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