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Governo Temer faz sua feira do cacareco

2017-08-25 01:30:00
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O debate sobre privatizações do Brasil expõe posições ideológicas antagônicas, liberal ou estatizante, que expressam visões de mundo opostas. Não creio que nenhuma delas esteja absolutamente certa ou errada. São perspectivas legítimas sobre formas de organizar o Estado, sobre interesse público, resultados que se busca. Como em tudo mais, não creio em verdades absolutas. Discordo da ideia de que o Estado precisa necessariamente estar em todos os setores nos quais hoje atua. Há segmentos que podem funcionar melhor se tocados pela iniciativa privada, e o próprio governo pode direcionar esforços para outras coisas. Também não acredito que o poder público não pode atuar de jeito nenhum em determinadas áreas. Depende de qual caminho se escolhe para o Estado, o custo com o qual se aceita arcar, as prioridades da sociedade.


Acho natural discutir privatizações. O que me incomoda é o improviso, a falta de planejamento, visão estratégica, a conjuntura inadequada. Para retirar o Estado de algum segmento, precisa haver definição de como será a transição, o modelo de exploração privada, as garantias para a população naquilo que for interesse público. A sociedade, afinal, não se restringe a um mercado consumidor. Quando o governo decide, de baciada, promover 57 privatizações, não me parece que tenha havido estudo técnico detalhado de como isso será feito.

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O que ocorre hoje no Brasil é o seguinte: o governo precisa tapar um rombo. O tamanho, a equipe econômica não sabe ao certo. Sem conseguir fechar as contas, o competente time do doutor Henrique Meirelles encontrou a saída de vender patrimônio público. Privatizar por visão estratégica do papel estatal e da eficiência dos serviços é uma coisa. Pode estar errado, mas tem uma lógica. Já se desfazer de estruturas governamentais para fazer caixa e pagar despesas fixas é bem diferente.


Economistas adoram analogias com finanças domésticas para explicar a situação do País. Pois o governo Michel Temer (PMDB) faz o seguinte: endividado, olha o que tem em casa e bota para vender. O presidente faz um bazar de jardim com as estatais, uma feira do cacareco com o patrimônio público.


Pior ainda: no atual momento do mercado e em pindaíba econômica, o governo vai vender estatais por muito menos do que poderia arrecadar se o cenário fosse outro. Atenta contra o interesse público. Várias dessas empresas postas em leilão dão lucro. Não era o momento de vendê-las. Fossem patrimônio privado, o dono não faria isso: vender na baixa o que dá lucro.


No caso do que dá prejuízo, vá lá. Naquilo que poderia ter melhor retorno social e econômico e de eficiência em mãos privadas, há de se discutir. Mas, qual a pressa em vender, por exemplo, a lucrativa Lotex? Qual ganho extraordinário a sociedade pode ter com o ganho de produtividade com a exploração privada da Raspadinha? Tampouco vejo problema em o Estado se desfazer desse tipo de jogo. Mas, pode esperar por ocasião na qual terá melhor retorno. Na crise é que não é.


O que o governo anunciou na quarta-feira foi a maior liquidação de estatais que o Brasil já conheceu. Feita de improviso, em momento impróprio, sem planejamento de como ficarão esses setores.


Por alinhamento ideológico, muita gente aplaude porque é a favor de privatização e ponto final. Não é tão simples. Feitas de qualquer jeito, podem dar muito errado, mesmo sob a ótica de quem é a favor.


A LEGITIMIDADE DA DECISÃO

Um incômodo particular com a decisão de privatização em massa: vai de encontro ao que a população reiteradamente tem decidido. Nas últimas três eleições presidenciais, o assunto foi dos mais presentes nas campanhas. E ps eleitores sempre decidiram contra. É bem verdade que os governos petistas promoveram privatizações diversas. Não custa lembrar, foi Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quem privatizou, por exemplo, o Banco do Estado do Ceará (BEC), que estava federalizado. Foram casos claros nos quais os governantes se elegem (e reelegem) com um discurso e fazem diferente no poder. Está errado, muito errado. E continua errado agora. Os equívocos de antes não legitimam que continuem a ocorrer. Não é correto, do ponto de vista da democracia, decidir por algo que a população se mostrou contra de forma clara.

E aí, caro leitor, não importa quantas cabeças iluminadas são a favor. Não interessa o quão inteligente, capacitado você seja. Nem você, nem eu, nem o Lula, nem o Temer, nem a rainha Elizabeth, nem o papa Francisco, tem direito de decidir sozinho sobre algo que mexe com todos. Numa democracia, o povo precisa ser consultado e ter a palavra final. O mais são tentações autoritárias.

Érico Firmo

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