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Os passos seguintes

2017-04-29 01:30:00
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O dia de ontem foi atípico pelo País e a anormalidade estabelecida foi o mais significativo instrumento de oposição ao governo Michel Temer (PMDB) até hoje. Não creio que o cerne da discussão seja se a adesão é real oposição às reformas ou apenas decorrente da dificuldade de deslocamento somada à conveniência de um feriado prolongado. Essa desqualificação é tão equivocada quanto foram os que quiseram desmerecer os protestos contra Dilma Rousseff (PT) por supostamente serem coisa de classe média. Naquela época como agora, as pesquisas e as evidências mostram que a insatisfação existe, é contundente e se espalha em todos os segmentos sociais. Subestimar manifestações, sobretudo quando amplas e capilarizadas pelo País todo, nunca se reverteu em nada de bom para governo nenhum.


Muita gente, organizada e desorganizada, aderiu aos protestos. Isso se refletiu nas ruas vazias, num impacto que foi, de fato, maior que a adesão efetiva aos atos - não necessariamente às ideias. Como ocorre em qualquer movimento, trata-se de um recorte do sentimento que exprime na sociedade. Não houve paralisação geral, mas o que houve foi bastante significativo. Até porque, vale destacar, a dificuldade de quem queria ir ao trabalho e não conseguiu foi igual à de quem tentava chegar às manifestações. Sem falar daqueles que cumpriram expediente a despeito de concordar com as ideias expressas nas ruas.


Como poucas vezes se viu, a mobilização de ontem foi capaz de mexer na rotina do País. Não é arma política desprezível. Qual potencial terá para influir na decisão do Congresso Nacional sobre as reformas é outra conversa. Isoladamente, um dia como o de ontem certamente não tem grande impacto. Há de se observar os desdobramentos, bem como a resposta do governo. Há muitas particularidades no caso em questão, a começar pela sensibilidade do atual comando do Palácio do Planalto às ruas.


IMPOPULARIDADE NÃO ASSUSTA TEMER...

Uma das interrogações sobre a eficácia dos protestos de ontem como forma de pressão sobre o governo está relacionada à suscetibilidade de Temer às ruas. Até prova em contrário, ela é bastante reduzida. Impopular o governo já é. Pela pesquisa Ipsos divulgada nesta semana, aprovação é menor do que a de Dilma jamais esteve. Ele já assumiu o governo com rejeição alta, nunca teve apoio popular, não venceu a eleição para o cargo de presidente. Não parece se assustar com o fato de ser rejeitado. Nesse sentido, não haverá de se admirar com protesto nenhum.

 

...MAS ASSUSTA PARLAMENTARES

A indiferença em relação à insatisfação popular não vale para o Congresso Nacional. Temer sempre disse que não quer concorrer à reeleição. Entretanto, a maioria dos deputados e senadores quer, e muito. Para eles, o humor da população conta bastante. A impopularidade é um problemão.

O governo ainda não tem votos para aprovar a reforma da Previdência, mas está obstinado e confiante em consegui-los. Como escrevi aqui ontem, considero provável que tenha sucesso. Irá jogar pesado para isso. Dependerá do que pesará mais sobre os parlamentares: a pressão popular ou a do governo. Essa última costuma ser mais eficaz, mais convincente, digamos.


Se terá sucesso dependerá de muita coisa. De um lado, da habilidade do governo. Do outro, dos próximos passos dos movimentos de oposição às medidas. Principalmente, se o movimento de ontem tiver sido isolado ou o primeiro de uma série.

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O PAPEL DE DORIA

Enquanto todo o velho PSDB submergiu na lista da Odebrecht, o prefeito paulistano João Doria (PSDB) começa a se firmar como principal referência de seu campo político. Em todas as polêmicas recentes, ele desponta como voz principal da base do governo Temer. Consegue fazer isso sem se atrelar ao desgastado governo peemedebista. No próprio caso da greve geral de ontem, ele foi o contraponto principal aos manifestantes. Nos dias anteriores, falou de uma operação para que os servidores usassem Uber de graça - que acabou não funcionando bem assim. Na manhã de ontem, tratou de provocar os manifestantes, ao dizer que grevistas são “vagabundos e preguiçosos”. Foi naturalmente questionado, pois em 2013 foi entusiasta da greve geral puxada contra Dilma, sem nem de longe a mesma adesão. Tem causado polêmica. Com isso, deixou de ser piada ou personagem folclórico, como era até a eleição. Começa a se posicionar como mais palpável alternativa governista para 2018.

Érico Firmo

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