PUBLICIDADE
VERSÃO IMPRESSA

A permanente recriação do Carnaval

2017-03-01 01:30:00
NULL
NULL

O Carnaval se comporta quase como organismo vivo. O atual momento da festa em Fortaleza nasceu, por assim dizer, de parto cesárea, induzido pelos editais do poder público a partir do Pré-Carnaval. Hoje, a festa já deixou o colo da Prefeitura. Ainda há aporte governamental, que é importante, sobretudo para agremiações mais tradicionais e de grande relevância cultural, como maracatus e blocos da Domingos Olímpio. Também tem papel de viabilizar, naquilo que lhe cabe, para que a comemoração não se transforme em problema. Porém, a folia não é dependente da Prefeitura. Há dinâmicas próprias, que mudam a cada ano e dão vida à festa.


Durante muito tempo, o fortalezense desejou um Carnaval tão bom quanto o Pré. Isso já acontece. Em momento algum o espaço público é tão aproveitado e compartilhado como nesses dois primeiros meses do ano. Esse fato guarda em si profunda potência política.


Alguns espaços já se consolidaram perante a população. Não mais se permite que sejam ocupados durante o Carnaval. Se deixa de sair o Sanatório Geral, primeira grande força a movimentar o ressurgimento do Carnaval de blocos sem suporte público, o espaço da Gentilândia é imediatamente preenchido. Com menção de Pingo de Fortaleza ao fato de que era a primeira vez que todos os blocos dividiam o mesmo palco na praça, numa referência aos desencontros e dificuldades de convívio em outros anos.


Vácuos não são mais aceitos, nem mesmo temporalmente. Se no sábado de manhã eram escassas as opções, a mesma praça João Gentil recebeu o inusitado e irreverente Simelano. O fim de bloco tão marcante quanto o Sanatório fez com que se temesse pelo fim do Carnaval no Benfica. O espaço, porém, mostrou já ter vida própria, com até mais programação que em outros anos. Isso é resultado de quem, por anos, trabalhou pela sua consolidação, quase sempre à margem do poder público. O Sanatório foi, sem dúvida, a maior força para que isso ocorresse. O legado sobrevive ao bloco.


E surgem novos espaços. O Iracema Bode Beat foi um acontecimento. O Centro Dragão do Mar era espaço central nos sábados Pré-Carnaval, mas se tornava desértico no Carnaval. As baterias saíram de lá para desfilar no aterro de Iracema. Então, o espaço se reinventou e se tornou referência nos domingos de Pré. E foi fenômeno absoluto deste ano. O Carnaval é uma força poderosa e inescapável em Fortaleza.

 

Muito se discute como revitalizar espaços como Centro, Praia de Iracema, praças. O Carnaval tem sido mais bem-sucedido nessa tarefa do que o poder público jamais conseguiu. Pode-se aproveitar de muitas maneiras essa força que se torna cada vez mais espontânea. Ao impulsionar o uso de espaços degradados, embora referenciais. Como potencial econômico e turístico. Em meados da década passada, muitos shoppings não abriam nem os cinemas. Hoje, bares e restaurantes que, não faz muito tempo, ficavam fechados hoje lucram. Pode-se ganhar muito mais. Há o ganho de sociabilidade. Da alegria das pessoas - isso é inestimável. O Carnaval é um patrimônio da Cidade. É hoje o maior momento de congraçamento do povo consigo mesmo.

[FOTO1]

TOQUE POLÍTICO

Salvo uma ou outra escapada para ir em Olinda, participo do Carnaval de Fortaleza desde o tempo em que se resumia aos desfiles da Domingos Olímpio. Nunca nesse período acompanhei festa tão política. O “fora, Temer” foi palavra de ordem em muitos blocos e shows. O que isso significa?

Obviamente, é reflexo da baixíssima aprovação ao governo Michel Temer (PMDB) demonstrada nas pesquisas, em particular no Nordeste. O que se viu em Fortaleza e algumas outras cidades pelo País, porém, vai além da reprovação. Trata-se de ativismo contra o governo. Não é difícil entender.


A esquerda sempre teve bastante inserção na promoção e na participação a esse tipo de festa. Não necessariamente vinculada a partidos ou grupos, muita gente politizada e de oposição puxou o “fora Temer”. Não penso que o Carnaval tenha sido a expressão de grande vontade e ação popular pela saída de Temer. A insatisfação ainda é muito maior, penso eu, que a disposição ativa da maioria em pedira derrubada do governo.


Entendo, sim, que as pessoas que são oposição a Temer aproveitaram o Carnaval para dar vazão aos protestos. Isso, parece-me, de forma desarticulada mesmo, com muito de espontaneidade. Fizeram isso muito bem. Os últimos grandes protestos “fora Temer” haviam ocorrido há quase seis meses, logo após o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Assim, o Carnaval de 2017 acabou se tornando um dos mais relevantes atos contra o presidente depois das primeiras semanas em que estava efetivado no mandato.

Érico Firmo

TAGS