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O ano apodreceu
Foto de Pedro Salgueiro
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Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como

O ano apodreceu


O ano envelheceu cedo, senhores, eventos de toda sorte foram apodrecendo suas vísceras, minando seus frágeis alicerces.


A cidade envelheceu de política e futebol, viveu mais de bastidores que de cenas, envelheceu nas sombras, construiu em silêncio suas podres carnificinas.


O País envelheceu devagarinho, com tanta lama à direita e à esquerda do surrado caminho, sossega com um golpe entalado em sua garganta.


Envelhecemos todos, estupefatos com o fim esperado, longamente anunciado, engendrados em seus vis maquinários.


Apodreci eu, por dentro e por fora; cada tripa escondida no mais recôndito lugar: esconderijos de todas as vergonhas minhas e dos outros, tolos, todos.


Apodreceram os inimigos fartos em maldades e covardias.

Apodreceram todinhos, como as demais coisas esquecidas nas entranhas dos armários mais esquecidos.


Apodreceram os poetas engalfinhados com suas lutas mais vãs, mais comezinhas e fúteis, como brigas de casais que nem sabem mais por que brigam essa briga em comum, mal sabendo que o que são e o que fazem é o que lhes restam, como restos de peixes apodrecendo nas coxias de uma calçada do subúrbio mais distante.


Apodreceram todos os domingos, as segundas, as terças e quartas, as quintas e os poetas de quinta, apodreceram as sextas, mas ainda restam luminosos (até quando, senhores?) os sábados e suas vãs ilusões.


Apodreceram os ladrões, engravatados ou não, os donos de bares mal humorados pelo eterno fel que nos servem impunes em nossas Gentilândias.


Apodreceram todos, enfim, desta infame loirinha desmiolada pelo sol, desmilinguida sob o céu. Apodreceram os daqui e os que vieram do interior. Apodreceram de sol e de sal.


Apodreceram, principalmente, os que se encharcaram de perfume, de roupas caras, de livros raros, de desculpas esfarrapadas...


Apodrecemos nós. Os simples mortais deste lado de cá das mil e uma Aldeotas, dos seus vis e servis clubinhos.


Apodrecemos e escorremos sem fins pelos buracos dos trens subterrâneos que nossa insana arrogância cava há séculos. Que nossa burguesiazinha sonsa cava faz séculos, que nosso escroto povinho cava jaz séculos...


Pois o ano envelheceu, senhores, e apodrecemos todos na espera deste outro que bem já nos diz a que vem! O ano apodreceu, senhores!...

Foto do Pedro Salgueiro

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