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Espelhos Trincados
Foto de Pedro Salgueiro
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Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como

Espelhos Trincados


Desde menino adoro conviver com pessoas mais velhas: achava as da minha geração por demais chatas... Mas com o passar dos anos fui percebendo que, a partir de uma determinada idade, todas elas começavam a virar seus espelhos para o passado; todos nós, não é verdade!? Quando moço eu adorava refletir o meu espelhinho de bolso contra o sol, de preferência na direção dos olhos de incautos passantes, que titubeavam incandescidos, os passos vacilantes procurando rapidamente retomar o rumo correto da vida; quando somos jovens queremos chocar, nos afirmar; se possível indo contra o ar, a água e a luz correntes.


Brinco sempre com meus amigos que a velhice se instala de vez em nós quando começamos a fazer comparações temporais, tipo “música mesmo era a do meu tempo, hoje em dia...”, ou “ah, esse futebol de agora nem se compara com o da década de 1970...”, até “como se veste mal esse povo de hoje, na minha juventude sim...” – só muda mesmo o repertório de assuntos, mas a lógica do saudosista é a mesmíssima: que nunca mais vai haver uma época igual àquela: tempo, na verdade, em que ele foi feliz, em que ajustava seus espelhos virados para frente, tinha esperanças, sabia de tuuudo... O mundão era, pois, o seu (pasmem, o nosso!) quintal.


Ficamos antigos e fazemos uma força enorme para não nos tornarmos obsoletos (alguns tentam, para compensar, ficar absolutos – donos de todas as opiniões e razões sobre o planeta e arredores): recalcados, ressentidos, mesmo reacionários. Lutamos inutilmente para continuarmos jovens, impulsivos e, não raro, impetuosos; embora a força da gravidade vá, aos poucos, nos podando as asinhas murchas.


Para o bem de nossa saúde mental não nos sentimos com a idade que já “possuímos”, e apenas em raras (e dolorosas) ocasiões nos damos contas de que não “temos” mais aqueles 18, 25 ou 30 e poucos aninhos: as juntas nos lembram, a vista nos diz, a memória nos trai... Ou mais terrível: um que outro incauto nos trazendo ao rés do chão – impunes nos chamam de senhores!...


Porém triste mesmo seria se resolvêssemos contar em vez do tempão que já se esvaiu – irremediavelmente – de nossas ligeiras vidas, fôssemos, ao invés, inventariar o tempinho que nos restam ainda para desfrutar por aqui.


Foto do Pedro Salgueiro

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