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A capa que enganou o leitor
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A capa que enganou o leitor

 

A informação que dava lugar à manchete na edição da última quinta-feira, 6/9, no O POVO surpreendeu muitos leitores que viram o jornal impresso. A notícia que estampava o jornal versava acerca da reinauguração de uma rede de supermercados com "lojas de última geração por todo o país". O texto estava acompanhado por uma foto rasgada na largura da página, que mostrava uma das lojas, em um ambiente muito limpo, colorido e com produtos variados. Uma notícia um pouco estranha para estar numa manchete de jornal...

Além disso, o texto informava: "Mais modernas, lojas estreiam novos serviços e facilidades para os consumidores". Abaixo, na parte após a dobra do jornal, havia mais fotos e textos que simulavam chamadas jornalísticas. Toda a primeira página foi tomada pelo anúncio da rede de supermercados. Um detalhe - não havia em local algum da página a informação de que se tratava de um conteúdo publicitário. Ao contrário, no topo da página, estavam a marca do O POVO e todo o cabeçalho habitual da capa do jornal: dia da semana, data do mês, número da edição e preço do exemplar.

A única informação que talvez pudesse levar o leitor a entender que era um material publicitário era uma cercadura envolvendo o texto. Isso, por óbvio, não é claro para o público. O leitor é que teria de deduzir, porque o jornal não informou. Os anúncios seguiam por mais três páginas formando um caderno que envolvia o jornal, simulando uma "capa falsa" para confundir o leitor e dar a impressão de que aquela era a manchete. Todas as quatro páginas eram compostas por anúncios.

Contradição

 

Dos comentários que recebi, cito alguns. Um dos leitores entrou em contato comigo questionando se o jornal estaria, a partir de então, "vendendo" o espaço da manchete para anúncios de uma maneira tão explícita assim, sem cuidado algum com a linguagem jornalística.

 

Ele havia visto os jornais expostos na rede de supermercado, com a "capa falsa". Estranhou que a manchete do jornal fosse realmente aquela diante de tanto acontecimento mais interessante ao público em geral. Quando expliquei para ele que era um anúncio, o leitor riu, quase não acreditando na estratégia definida pelo O POVO.

Outro leitor me escreveu anexando uma cópia da capa falsa: "Isto foi um acinte, uma afronta, um bofete na cara do leitor. Onde já se viu estampar uma primeira página totalmente fake? Em nenhum lugar, informa-se ser propaganda paga. Com episódios como este, como pode o jornal falar em ser fonte de consulta sobre fake news?".

A edição de quinta-feira, inclusive com o anúncio a simular uma manchete jornalística, está disponível na versão digital quando o assinante acessa o portal do O POVO. É evidente que grandes produtos e marcas, como a rede de supermercados, busquem associar seus nomes a grandes veículos de comunicação, como O POVO. Com a credibilidade de um jornal de 90 anos, estar exposto em sua primeira página gera uma audiência imediata, principalmente quando essa exposição ocorre em um espaço editorial, como a manchete. É uma mídia espontânea, gratuita e extremamente relevante. Isso quando ela realmente ocorre de forma espontânea e gratuita - o que não é o caso.

A diferença é que a manchete em xeque não é verdadeira. O que aconteceu foi um anúncio mascarado de manchete para fazer com o que o leitor pensasse que era uma notícia. Ora, em tempos de combate a notícias falsas (ou "fake news", como queiram), ações como essa contribuem para uma comunicação honesta com o público?

Jornalismo e propaganda são uma combinação arriscada. Os setores editorial e comercial de um veículo de comunicação não devem decidir livremente pela criação de um produto sem levar em consideração a forma como aquele material chegará até o cidadão. Se pode confundir a informação, se pode atrapalhar a interpretação, se pode influenciar negativamente na qualidade da informação, não vale a pena.

Há diversos espaços publicitários nas dezenas de páginas do jornal. Se é anúncio, precisa estar claro. Fazer uso de arranjos falsos e criar uma pseudonotícia é uma prática equivocada e tortuosa.

 

Principalmente para um veículo que alardeia ser parte de um projeto de comprovação de notícias e de ataque à disseminação de notícias falsas.

 

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