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O dito, o não dito e o subentendido
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O dito, o não dito e o subentendido

 

É desafio do jornalismo contextualizar os fatos, em vez de deixar o leitor, por si só, procurar respostas ao que foi divulgado. O jornal precisa ser autoexplicativo. Ao fim de uma leitura, não devem sobrar questionamentos básicos. Na última terça-feira, 7, O POVO trouxe como manchete os dizeres "Ciro se diz apunhalado por PT e PSDB", referindo-se a uma declaração de Ciro Gomes, candidato à Presidência.

Na matéria interna, mais uma vez informa-se, a começar pelo título, que o candidato havia feito menção aos dois partidos quando fez as acusações. O detalhe é que, em momento nenhum, o texto informa que essa referência explícita foi feita aos dois partidos. A interpretação havia sido do O POVO. Não há problema algum nisso - ao contrário, é saudável, para a comunicação social, que o jornal explique a contextualização e informe que não houve referência explícita, mas expressões que haviam levado a tal compreensão.

O fato chamou atenção de leitores. Vladimir Spinelli anotou que o jornal "errou a mão" e afirma ter se sentido envergonhado com o título. "A capa não condiz com o dito. Isso, para mim, é grave", comentou. Paulo Roberto Clementino Queiroz conta que, do jeito que está escrito, o texto da manchete "induz o leitor completamente" e sugere que uma "contextualização melhor deveria ter sido realizada pelo jornal".

Questiona: "Afinal, como vou saber se a notícia está correta ou se foi o jornal que interpretou? Como diferenciar o fato noticiado do fato interpretado?".

Interpretação

 

Comentei o assunto em avaliação interna. A Editoria de Política discordou dos questionamentos e considerou que a manchete dialoga com o texto da matéria interna. A Editoria entende que o candidato referiu-se a PT e a PSDB ao criticar os partidos que protagonizam situações de "confrontação mesquinha", "tratativa de gabinete", "rasteira", "conchavo" e "punhalada pelas costas", mencionando expressões ditas pelo candidato.

É preciso não perder de vista que: uma coisa é o dito; outra coisa é o interpretado. Se estivesse tão claro assim que Ciro se referia aos dois partidos especificamente, não haveria dúvidas no público leitor. E se o candidato não havia se referido explicitamente aos partidos, cabia ao jornal informar que fizera a interpretação. O jornalismo não vive - nem deve viver - de subentendidos.

Menos jornalismo

Com cerca de 11 anos no ar, o canal Esporte Interativo anunciou, na semana que passou, que sairia do ar. O veículo era conhecido e reconhecido, pelo lado de cá, principalmente pela cobertura intensa de campeonatos interessantes ao público nordestino, em especial a Copa do Nordeste, as Séries C e D e estaduais de futebol. O torcedor cearense abraçou o canal e viu importantes vitórias de seus times transmitidas por lá. Perdem o futebol e o torcedor. Perdem mais 250 demitidos da empresa, conforme informações dos portais de notícia.

Dias antes, na segunda-feira, a Editora Abril havia publicado, em nota, o que chamou de "parte do seu processo de reestruturação". Na prática, fechou oito títulos - revistas consideradas tradicionais na história da editora, como Mundo Estranho, Boa Forma e Arquitetura&Construção. A organização alega como motivos as circunstâncias econômicas do mercado.

Não se confirma, mas fala-se em mais de 100 jornalistas demitidos.

Extremamente lamentáveis as duas situações. Quando um veículo de comunicação como esses fecha, a sociedade deixa de ter acesso a mais uma fonte de informação. Especialmente ao se tratar de empresas tradicionais, põe-se fim a um capítulo marcante na história no jornalismo - seja em que plataforma for. Independentemente de posicionamento ideológico, veículos de comunicação que apresentem opiniões divergentes são fundamentais para o amadurecimento da democracia com a qual tanto sonhamos.

Comemorar o fechamento de um veículo ou de um produto jornalístico que fazia sua marca importante para um determinado público-alvo é também celebrar a demissão de dezenas de colegas, em um mercado cada vez mais restrito que tenta, a todo custo e com menos gente, reforçar o bom jornalismo. Não há ponto positivo algum em situações como essa.

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