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A morte por um cone
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A morte por um cone

 

O assassinato de um estudante universitário na avenida 13 de Maio, há poucos dias, por causa de um cone (desses laranjas, para sinalização) tem sido assunto nos veículos de comunicação locais. Como noticiado, Lucas Gomes estava com um casal de amigos, de madrugada, procurando um lugar para lanchar. Numa brincadeira boba bastante conhecida por aqui, pegou o cone de um estabelecimento comercial da via e se dirigia com ele ao carro. Foi baleado na cabeça por um vigilante e não resistiu.

Lucas tinha 22 anos de idade - faria 23 no próximo dia 4 de outubro - e estava a dois semestres de concluir o curso de Administração na Estácio Via Corpvs. Para pagar as despesas, comprava e vendia celulares novos ou com pequenos defeitos. Consertava, revendia. Fazia contatos pelas redes sociais, mas planejava montar uma loja de rua até o fim deste ano.

Não deu tempo.

Quem me contou um pouco da história de Lucas foi um amigo da família que ligou para reclamar da forma como O POVO e outros veículos de comunicação trataram a tragédia. Ele me telefonou logo após ver a matéria "Vigilante confessa ter matado jovem na av. 13 de Maio", cuja cartola era "Roubo de cone". Cartola, no jargão jornalístico, é uma expressão curta que acompanha o título e, geralmente, é um assunto de que trata a matéria.

Junto com o texto que noticiava a confissão do vigilante do McDonald's de ter atirado no rapaz, publicamos uma foto de Lucas. Para o amigo, houve mudança de foco. Em vez de o jornal enfatizar o assassinato, dava destaque, com as expressões "roubo" e "furto", além da foto, ao ato do rapaz.

Investigação

"O jornal tem criminalizado a vítima. Vocês colocam a foto do Lucas com o nome 'furto'. Repetem que foi um roubo, um furto, em vez de ressaltarem quem é o criminoso na história. Vocês não têm ideia de como os pais dele se sentem ao saber disso tudo", comentou o amigo. Os pais de Lucas, ambos idosos, e os dois irmãos não querem contato com a imprensa por ora. Já foram procurados por programas policialescos de televisão, mas preferiram não se manifestar até o fim do inquérito.

No O POVO, a primeira matéria que relatava o caso foi publicada na sexta 10. Informava que os três amigos teriam tentado lanchar no McDonald's e
citaram também outro restaurante na matéria.

Um amigo que estava com Lucas foi ouvido, mas a família não foi procurada. Também não há relato de que a reportagem tenha ido ao local tentar ouvir moradores, conversar com possíveis testemunhas - em suma, fazer o trabalho de investigação que se espera em casos assim. Jornalista não é polícia, que fique claro. Mas jornalismo investigativo exige também trabalho de campo.

Nas matérias seguintes, da confissão do vigilante e do nome do local onde ele trabalha, as fontes foram as ditas "oficiais". Claro, importantes e seguras em certos casos. Evitam que sejam dadas informações inverídicas e que se ponham em risco pessoas que nada têm a ver com a situação. Mas e o jornalismo que vai atrás da informação? Que pesquisa e não se restringe ao oficial? Que dá ouvidos às pessoas comuns?

O jornalista Érico Firmo, editor do O POVO Online, comenta que a intenção com o uso de "furto" era mostrar a banalidade do crime - que pode fazer com que a pena seja elevada. Em relação à foto de Lucas, é padrão usar a foto da vítima, explica. "Até para a pessoa ganhar um rosto, não ser apenas um nome ou uma profissão. Quanto a buscar a família, desde o primeiro momento, o relato nos chegou por um amigo que estava com ele. Foi testemunha e era, creio, a melhor pessoa para falar do episódio. Logo que episódios como esse ocorrem, evitamos muitas vezes falar com os familiares mais próximos, devido à natural comoção. Mas, obviamente, estávamos e estamos aberto às manifestações que queiram fazer."

Mesmo para os jornalistas experientes, nunca é fácil cobrir temas sensíveis como a morte e, principalmente, em casos de repercussão significativa. Existem técnicas jornalísticas de noticiar e, por óbvio, não se pode privar o leitor da obtenção dos fatos. No entanto, a melhor orientação em situações do tipo é pensar no outro, no papel social do jornalismo, que denuncia e critica, mas que, sobretudo, deve prezar por uma abordagem mais respeitosa e humanizada.

Daniela Nogueira

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