Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
Tenho implicância com ano ímpar - terminado em primo, então, piora. Dois mil e sete. Dois mil e onze. Dois mil e dezessete. Vejo com desconfiança esses algarismos indivisíveis, salvos por um e eles mesmos. Na matemática, correspondem à classe dos pretensiosos, uma turma que não se mistura. Estão sempre inteiros aonde vão, nunca se fracionam, jamais se perdem no caminho.
Como se bastassem a si mesmos, reinando sozinhos num império de 365 dias corridos enquanto os pares e outros ímpares vulgares deixam pedaços por onde passam e se extraviam entre dízimas periódicas e outras coisas que não entendemos muito bem para que servem.
É o caso do ano que debuta agora: 2019. Eu poderia começar a falar mal dele por aí, arqueando uma sobrancelha de suspeição, como a perguntar - e você, o que pensa que está fazendo desfilando essa condição algebricamente rara de primo logo depois de 2018, um ano em que coisas realmente singulares aconteceram? O que acha que poderá acrescentar ao rol de eventos improváveis que inundaram nosso calendário de janeiro a dezembro?
Ele calaria, misterioso. Talvez dissesse, num muxoxo: espere e verá, pondo umas reticências ao final apenas para recobrir a cena com essa qualidade das histórias inacabadas. Já seria muito para causar um rebuliço de emoções e expectativas.
Não havendo isso, porém, e certo de que pouquíssima gente dá realmente importância aos números e à forma aleatória como aparecem na vida da gente, deixo de lado a cerimônia e pergunto: o que esperar, cabalisticamente falando, desse ajuntamento de 20 com 19?
É uma questão que me fiz durante a passagem do ano. Enquanto os fogos ainda pipocavam e o espumante borbulhava, exercitei brevemente a premonição, tentando antecipar ao menos parte da temporada. Queria adivinhar as horas, ir tomando pé dos acontecimentos, antecipar-me aos problemas a ver se os contorno da melhor maneira - em vão.
Pelo visto, as coisas só acontecerão mesmo no momento em que estiverem acontecendo, e isso é animador. Por ora, fico com a sensação agradável de que 2019 é um ano com ginga marcada pela cadência dos números vizinhos - o compasso do 20-19 como que anunciando um passo de dança, quem sabe uma marchinha de Carnaval. Espero que seja isso.
A gente costuma dizer das coisas ímpares que são únicas. Nisso projetamos mais desejo que realidade. No universo e nos livros da escola, os números se dividem entre racionais, os que podem ser escritos também na forma de uma fração inteira, e os irracionais - aqueles que resistem à divisão precisa.
Os anos que vivemos comportam sempre as duas maneiras de se escrever: uma hora somos mais como frações; noutra, andamos meio imprecisos, arrastando vírgulas por aí a tentar somar outras partes ao resultado final.
Cartão de visitas de um novo ano, os primos são duplamente alvissareiros: inteiros, mas com uma natureza fantasiosa, qualidade rara hoje em dia. Inexatos, convidam à fabulação e ao preenchimento das lacunas. É preciso olhá-los com fé na capacidade que todos temos de fantasiar.
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