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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

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Eu gosto de shopping. Foi difícil aceitar isso, principalmente na adolescência, quando fazia parte das fileiras (era como a gente dizia na época) de uma organização de esquerda e precisava explicar aos amigos de trincheira revolucionária que a ida ao centro de consumo não era uma rendição ao sistema, mas uma experiência antropológica a fim de conhecer o inimigo por dentro.

 

De tanto visitá-lo, acabei gostando. Conheço cada shopping de Fortaleza, à exceção dos mais novos (Parangaba e Jóquei). E tenho prazer em imaginá-los diferentes, cada um com sua personalidade excêntrica numa família disfuncional cuja ceia de Natal é como um episódio de uma série cancelada ainda na primeira temporada.

 

Poderia escrever um tratado sobre os shoppings da Cidade, de suas características arquitetônicas até a áurea que projetam em seus clientes, passando pela arquitetura e o tipo de experiência que estimulam (isolamento, euforia, estupor etc.).

 

O labiríntico North Shopping, por exemplo, é o mais perto que minha geração pode chegar de experimentar na própria pele a aventura das crianças perdidas de A Caverna do Dragão, de cujo mundo jamais conseguiram escapar, mesmo com a ajuda do Mestre dos Magos - ele mesmo um "habitué" do sumiço.

 

Ou o Iguatemi, cuja variação de pisos remonta às sucessivas expansões pelas quais o empreendimento passou, aproximando o crescimento do shopping ao da casa que vai agregando novos espaços à medida que os filhos amadurecem e se casam e precisam de novos quartos. Nele convivem praças de alimentação com temperatura e teto distintos. Na parte mais antiga, por exemplo, um ambiente com cara de Centro e ar de Duda's Burguer. Na mais nova, algo modernoso, mais afeito à lógica do "multiplex" e das novas lojas caras que se instalaram na última reforma.

 

Nesse aspecto, o RioMar é mais uniforme - e, por isso, também mais artificioso, inclusive na sua tentativa mal disfarçada de fazer com que o cliente se sinta enganosamente visitando não uma caixa metálica preservada a 21° C, mas o litoral do Ceará. Com seu estacionamento batizado com nomes de praias, é possível deixar a SUV ultraespaçosa numa vaga na Jericoacoara, passar no Outback e depois apanhar o elevador até o cinema VIP com poltrona hiperconfortável e garçons servindo champanhe no meio da sessão.

 

Há ainda o Shopping Benfica, que é uma think tank genuinamente cearense. Como se Beto Studart, Falcão e Halder Gomes houvessem se juntado para criar uma empresa, o Benfica funciona movido a ideias disruptivas cuja viabilidade jamais é posta em xeque por ninguém da direção.

 

Localizado ao lado do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (UFC), o shopping poderia ser tranquilamente um curso de extensão da academia, tamanho é o esforço do estabelecimento em se parecer com uma mistura de calourada, recepção de alunos recém-ingressos e feira de ciências ginasiana. Das pinturas expostas nas paredes, levemente desarmônicas se se considera o restante da decoração, até a grande Árvore de Natal falante, que é também um incrível projeto social, o shopping carrega sozinho a chama imorredoura do dadaísmo no Ceará.

 

E, finalmente, temos o Center Um (Jumbo). Espécie de Notre Dame dos shoppings de Fortaleza por sua importância histórica, nele se encontram coisas que já não existem em nenhum outro lugar. Como grupos de casais dançando no hall de entrada ao som de Gipsy kings e colecionares de artigos raros.

 

Foto do Henrique Araújo

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