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Todo homem
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Todo homem


Todo homem precisa fazer o que as mães fazem todo dia sem se preocupar se todo homem está ocupado com o que é obrigação de qualquer pessoa.

Todo homem precisa voltar dez casas no jogo e recomeçar a partida, desculpando-se com todos pelo caminho até chegar ao outro lado, onde deve permanecer sentado observando o movimento enquanto se dá conta de que as coisas estão um bocado diferentes.

 

Todo homem tem de aprender a esquecer as regras de um jogo antigo ensinado no tempo da escola, época na qual todo homem podia brincar do que quisesse e da forma como bem entendesse, extraindo dessa experiência fantástica a lição de que para todo homem não apenas os recursos são ilimitados, mas também o vasto leque de possibilidades na vida.

 

Todo homem deve pelo menos uma vez, senão sempre, fazer o que a mãe de todo homem faz quando todo homem sai de casa sob pretexto de trabalhar, mas se perde no caminho, seja por vontade própria, seja porque de fato está perdido.

 

Todo homem jamais será como uma mãe, ainda que tente, mesmo com todo esforço do mundo, o que não o dispensa da tarefa de tentar assumir responsabilidades que uma mãe carrega desde sempre.

 

Nenhum homem é como a mãe de outro homem que ficou pra trás.

 

Todo homem conhece uma fração da dor que provoca numa mulher.

 

Todo homem tem de cumprir o que todo homem deveria estar cumprindo todos os dias, de modo que, quando não o fizesse, ninguém sairia em seu socorro, nem a mãe, nem a esposa, nem a amiga, tampouco outro homem.

 

Todo homem deveria esfregar o chão de próprio punho e depois varrer e andar pela casa com um zelo de coisas limpas, sorvendo a felicidade de haver colaborado para que o lugar onde todo homem e toda mulher vivem parte dos dias permaneça saudável.

 

Todo homem tem de evitar ao máximo debochar de amores desfeitos e rancores.

 

Todo homem precisa ao menos uma vez inocular em si mesmo o próprio veneno.

 

E que, aconteça o que acontecer, todo homem ainda tem muito chão pela frente.

 

Todo homem podia, sempre de manhã cedo, reparar nos vincos das roupas e nos cortes da pele fina do rosto refletidos no espelho do banheiro.

 

Todo homem podia parar e pensar na velhice.

 

Todo homem precisa parar de causar acidentes domésticos a cada ano, preservando alguma porção de tranquilidade para que os filhos e as mães e os pais tenham condições de sentar à mesa e almoçar ou jantar num domingo qualquer.

 

Todo homem deveria parar de dizer "todo homem" e passar a falar com todas as letras: sou eu mesmo.

 

Todo homem poderia também aproveitar que já está revendo tanta coisa na vida que todo homem costuma fazer e evitar falar: nem todo homem.

 

Todo homem tem plena consciência de que nem todo homem é a maior mentira que já lhe contaram desde a Perna Cabeluda, quando ainda tinha cinco anos e a avó chegou em casa alvoroçada.

 

Todo homem sabe que nem todo homem é uma dessas coisas que todo homem fala para não se parecer com todo homem.

 

E se tem algo que todo homem aprende desde cedo é que todo homem é como qualquer homem, não importa de onde venha.

 

Foto do Henrique Araújo

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