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Os Brasis na Copa
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Os Brasis na Copa


Uma Copa do Mundo que começa com cotoco e goleada da Rússia pressagia coisa ruim. Não pode ser normal. Não era. Dias depois, um taxista sobe a calçada e atropela turistas. E agora vem a gente mostrar por que o pior do Brasil são os brasileiros.


Não é apenas porque o Galvão criticou tanto o árbitro a ponto de sugerir um quase linchamento do juiz no lance do Miranda e no pênalti não marcado em cima de Jesus, dando mostra de que o espírito de justiçamento do nativo está em toda parte.


Nem porque o atleta Neymar correu atrás da bola mesmo sabendo que estava impedido, dando azo a essa fama de malandros que todos temos mundo afora, fato que contrasta com a postura de outras equipes dentro das quatro linhas.


Mas porque, além de avacalhados na moral e malamanhados nos costumes, somos também razão de vergonha global, com o exemplo criminoso de um grupo de torcedores que houve por bem (e por mal) agredir uma russa. Nada que torcedoras já não tenham de escutar nas arquibancadas durante os campeonatos nacionais. Nem que os homens não costumemos gracejar entre amigos, a modo de piada sem ser.


A diferença é de escala e de esfera: agora, não o privado mas o público, com o mundo inteiro a testemunhar que não legamos apenas bom futebol, mas também mazelas de caráter e pequenos exemplos de esperteza que denunciam o estado de coisas em que o País se acha hoje.


Se o futebol é a arte de imitar o real, o buraco é tão fundo que o Brasil do campo parece copiar o Brasil da política e vice-versa. O viralatismo é de dupla face. E as encalacradas também. Reparem na ironia que é pensar que o time está penso à esquerda, setor mais criativo da seleção mas incapaz de produzir bem-estar para a torcida (o gol). À direita, porém, não vamos muito melhor, sem os alas dizerem a que foram à Copa, totalmente refestelados num patrimônio improdutivo do campo.


Pelo centro a seleção também anda mal, com os jogadores que deveriam chegar forte do fundo perdendo-se em passes errados e pequenos malabarismos. Uns virtuoses da eterna promessa, feito Willian e seu irritante drible de letra, por exemplo (sou mais um torcedor que vai dedicar sua vida a odiá-lo).


Seja de que direção for, o Brasil não pode esperar por muito. Sobretudo agora, quando o seu maior talento está ameaçado de não participar da peleja futebolística. Neymar sente dores no pé direito depois de ter sido caçado pelos suíços numa partida dura ao fim da qual todos reclamaram da justiça, inclusive (pasmem) a CBF, entidade cuja composição é formada por bandidos de carteirinha – e estavam lá protestando contra o um lance sabidamente duvidoso, a expressão desabrida de quem não tem o telhado de vidro.


Quer melhor retrato do Brasil do que a CBF reclamando de que uma câmera não registrou um malfeito praticado contra a seleção enquanto seus comandantes são reconduzidos aos postos de direção depois de todas as falcatruas reveladas nos últimos anos?


Como diria o poeta, o Brasil não é pra principiantes. Tampouco pra profissionais. Aqui, dar-se bem é coisa que se vai aprendendo desde cedo, sem garantia de que as coisas sairão sempre conforme o planejado, e até o malandro uma hora acha-se sem malandragem com que se beneficiar.


Apesar de tudo, espero que o Tite consiga encontrar uma saída para esse impasse. Consertar a seleção não é o mesmo que ajeitar o Brasil (está longe disso, na verdade), mas podemos começar por algum lugar. Vai que a moda pega.

 

Foto do Henrique Araújo

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