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Ciro entra na roda
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Ciro entra na roda

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Entrevistado do programa “Roda Viva” na última segunda-feira, o pré-candidato Ciro Gomes (PDT) prometeu “destruir o MDB” antes que a sigla comprometa uma virtual gestão do pedetista, caso seja eleito presidente em outubro. Também pediu a cabeça de Pedro Parente, presidente da Petrobras, por praticar uma “política de preços lesiva”. No seu estilo palavroso, chamou Michel Temer de escroque e se comprometeu a revogar a reforma trabalhista e o teto de gasto. A seguir, comento outros trechos da conversa, da qual destaco as partes mais importantes.

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“VAMOS FAZER COMO FIZEMOS NO CE”

Primeiro, Ciro precisa de cautela ao eleger o Ceará como laboratório de políticas públicas exitosas sobre as quais talvez pretenda jogar luz durante a corrida eleitoral. De tanto falar que o Estado é “o mais sólido do País”, e não há dúvida de que as contas do Executivo cearense estão confortáveis diante de um cenário de deterioração fiscal, os adversários vão acabar se interessando por outros aspectos relacionados à unidade federativa governada pelo grupo dos Ferreira Gomes desde 2006.

A área da segurança, por exemplo. E aí os números falam por si. Apenas em 2018, ano eleitoral, foram três chacinas, que resultaram em mais de duas dezenas de mortos. A média de homicídios no Estado também continua altíssima. Como vitrine, então, pode-se olhar para o Ceará como o copo meio cheio ou meio vazio. Tenho a suspeita de que os concorrentes de Ciro vão preferir enxergá-lo meio vazio. E haverão de encontrar motivos pra isso.

Logo, a reiterada menção ao estado-vitrine é uma faca de dois gumes. Se pode se orgulhar da melhora significativa na educação básica, por exemplo, aqui a retórica anti-MDB de Ciro não pega, o que certamente vai lhe causar muito embaraço. Basta olhar para a base de apoio do irmão Cid Gomes (PDT) em dois mandatos e a de Camilo Santana (PT) agora.

“O MDB VAI SER DESMONTADO”

No Ceará, o MDB nunca foi um problema. Não custa lembrar que tanto Cid quanto Camilo mantiveram um arco muito amplo de alianças que incluíram siglas de quase todo o espectro ideológico. No primeiro governo Cid, por exemplo, estavam representadas todas as tribos do Siará Grande. Mesmo o PSDB do cacique Tasso Jereissati tinha um adido na tapera cidista – hoje também.

Com Camilo não tem sido diferente. Aliás, tem, sim: essa base de sustentação do governo aumentou, totalizando 24 partidos dos 35 existentes no País. Entre eles, o MDB de Michel Temer, Eunício Oliveira, Romero Jucá, Renan Calheiros e outros notáveis da Operação Lava Jato.

Durante a entrevista ao programa “Roda Viva”, Ciro prometeu desmontar o MDB – pela via democrática, claro. Ora, esse foi precisamente o plano malfadado que levou Dilma à ruína política. E quem foi um de seus artífices? Ele mesmo, Cid.

Donde se conclui: de FHC a Lula, todos os presidentes tentaram neutralizar o MDB. Todos falharam.

“SOU DO RAMO, SOU TREINADO”

Pelas declarações que vem dando até aqui, fica claro que estratégia Ciro vai usar na campanha: a da experiência. Aos 60 anos, acumula passagens tanto pelo Executivo quanto pelo Legislativo. É ex-prefeito, ex-governador e ex-ministro. Também coleciona uma série de endereços partidários, com filiações a MDB, PSDB, PPS, PSB, Pros e PDT, o que pode ser visto como um exemplo de maleabilidade e de espírito negociador, mas também como inconsistência ideológica e oportunismo. Afinal, o que liga todas essas siglas senão o fato de que, nessa trajetória, serviram de trampolim aos interesses (com a segunda vogal “e” bem aberta, como Ciro gosta de pronunciar e já é uma marca de sua prosódia) dos Ferreira Gomes?

Bom de conversa, o pedetista é hábil no manuseio de estatísticas, que solta aos borbotões, parte das quais imprecisa ou simplesmente exagerada. Para a imagem que quer transmitir, a de gestor eficiente inclinado ao campo da centro-esquerda, é interessante e tem surtido efeito. Como discurso, consegue impressionar a audiência do sul/sudeste, que às vezes se encanta com malabarismo numérico e um verniz acadêmico.

Mas, se quiser ter chances reais na disputa ao Planalto, Ciro precisa ir além da prestidigitação. Primeiro, é importante que a) não venda o que não pode oferecer, b) não diga que irá governar apenas com a força de suas ideias (o presidencialismo de coalização é um fato, assim como a presença do MDB) e c), não incursione pelo populismo como fez ao se declarar favorável à greve dos caminhoneiros e à dos petroleiros sem qualquer ressalva. Tudo isso já foi testado antes, e deu errado.

 

Foto do Henrique Araújo

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