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2018 ainda não pegou
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

2018 ainda não pegou


O brasileiro anda “pistola” e acha que a Copa não pegou, mas o caso é mais sério. É mais grave. É mais fundo. É sintomático e talvez irreversível. Na verdade, 2018 ainda não pegou. O grande pesadelo jamais previsto por Florestan Fernandes ou Celso Furtado finalmente aconteceu: estamos perdidos no tempo como num episódio de Lost.


A sensação é de que nosso espírito se desagregou e agora vaga por anos diferentes feito alma penada. Uma parte continua em 2013, outra em 2014 e uma terceira em 2016. Paramos aí. Não chegamos sequer à metade de 2017. No máximo, fomos até maio daquele ano, quando os irmãos Batista perderam o Oscar de efeitos sonoros pela obra Gritos e Sussurros no Jaburu.


Depois disso, é o Brasil de frente pro abismo. Estacionamos no vácuo. De lá pra cá as coisas não pegam senão de véspera e sem muita empolgação, apenas pra manter isso aí, num acerto de contas do brasileiro com a conveniência. Há quem chame isso tudo de mau humor. Eu tenho outra hipótese.

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Nunca fomos uma gente dada a rupturas, mas, nos últimos quatro anos, passamos por manifestações, goleada, impeachment, governo Temer, greve dos caminhoneiros e, agravante para quem mora em Fortaleza, a inexplicável permanência do Capital Inicial como uma das atrações no Réveillon da Cidade. Nenhum povo suporta tanto suplício. Por muito menos os parisienses vão às ruas e incendeiam dezenas de carros e os espanhóis fazem piquetes. Mas o brasileiro é um tipo melífluo. Meio violento, meio trouxa.


E é isso que acontece: entramos em 2018 carregando as pendências de 2014, 15, 16 e 17. Já começamos negativados. Como um irmão que nascesse e herdasse as dívidas do mais velho, celebramos o ano novo com uma pilha de boletos vencidos das temporadas anteriores. Acumulamos os problemas. Ora, só poderia dar mesmo nessa barafunda. Agora as coisas não pegam.


Quase nada está pegando neste ano além das coisas que já pegam no Brasil sem precisar de uma mãozinha do governo ou das instituições, todas muito mal avaliadas. O Carnaval, a malandragem e o feriadão, por exemplo, para ficar na santíssima trindade da cultura nacional, continuam pegando com a facilidade do contágio de uma frieira.


Todo o restante do universo de eventos que usualmente conta com a simpatia do nativo, porém, está sofrendo com um gradual processo de desapego – ou pegar sem se apegar, dá no mesmo.


De olho nessa confusa situação meteorológica do calendário nacional, a gente virou uma nação de profetas do clima. A toda hora miramos o tempo, aspiramos o ar compenetrados, estudamos demoradamente a conformação das nuvens e sentenciamos: é, neste ano a eleição não pegou. E, antes dela, a Páscoa. Se calhar, chegamos ao fim de junho sem que a paçoca e o milho verde tenham pegado verdadeiramente. E ninguém se espante se o Natal chegar e as cidades ainda estiverem como estão agora: peladas de sinos e pisca-piscas, sem uma vivalma de Papai Noel a animar as esquinas.


Aí então viramos o ano e chega de novo o Carnaval, quando as coisas voltam a pegar. Até lá, porém, será um festival de dar de ombros diante do peru da ceia e da queima de fogos no Réveillon, como se fôssemos uma audiência entediada vendo o especial de Natal da Dança dos Famosos com os comentários de Tino Marcos.

 

Foto do Henrique Araújo

Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

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