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Teresa
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Teresa


Teresa era um nome antes de ser uma pessoa.


Encontrei Teresa na rua. Atendia o celular e parecia irritada. Pediu que não olhasse muito porque já era tarde e tinha coisas a resolver, disse isso com um gesto de quem afasta algo desagradável.


Teresa era morena de sol, a pele queimada, um tomara que caia e short apertado e cabelo preso com uma fivela de plástico rosa, uma tatuagem na coxa e os pés com marcas de chinela de dedo.


Teresa eram duas. Tarde descobri o que Teresa realmente queria, que era o que sempre quis Teresa.

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Teresa na verdade eram três. Uma criança, outra jovem e uma adulta, que se encontravam só de vez em quando. Teresa bebia e se punha a falar o que não compreendia, às vezes calhava de virar a cerveja direto da garrafa, emborcando o vidro e rindo ao mesmo tempo.


Uma cena de novela, ela dizia. Teresa sempre dizia o que sabia, Teresa sempre cavava debaixo da pele e revolvia as unhas em procura de tesouro.


Teresa era talvez mais do que podia contar.


Eu nunca encontrei Teresa de fato, sempre a procuro quando saio. Revejo seus passos, entro nas bodegas e chafurdo entre mercadorias atrás do balcão, pergunto a vendedores de lojas se por acaso viram por aí uma mulher chamada Teresa.


Nos ônibus estico o olhar pelos assentos e falo ao motorista apenas o necessário. Quero saber se desceu em algum ponto da avenida uma mulher com tais e tais características, tais e tais cheiros e manias.


Se era bonita. Se tinha os olhos vivos como chamas e as sobrancelhas arqueadas como um salto de lebre, se balançava o cabelo quando ria, se olhava as mãos se pensativa e mastigava os lábios se contrariada.


Ninguém a tinha visto. Teresa era minha criação, uma animação desanimada? Teresa era lenda urbana, um lance de fábula?


Procuro Teresa numa carteira de cigarro. Nunca está lá.


Teresa não cabe na carteira, Teresa não se compra.


Teresa é uma mulher sem valor algum.


Uma vez paramos na praça e conversamos por horas e horas, ou eu achei que conversássemos. Tive o privilégio de estar com Teresa algumas vezes, eu lembro e isso me entristece. Era uma quarta, fazia sol, ninguém na rua.


Perto do meio-dia, Teresa desapareceu entre as árvores, mergulhou nas sombras e não voltou mais.


Foi vista semanas depois parada num semáforo esperando para atravessar a rua e depois galgando os degraus de uma escada rolante danificada.


Tenho visto Teresa numa placa de trânsito e também no desenho da areia que se acumula no vão da porta quando voltamos da praia, na fila do restaurante por quilo e na entrada do cinema na sessão das 17 horas.


Formas de Teresa no vapor do copo de café, na mancha escura da mesa do bar, nas ranhuras do piso do calçadão e nas garatujas que desenho no caderno sem pauta que abri agorinha a ver se ainda havia Teresa.


Mas Teresa não havia. Teresa sumiu. Teresa é agora e nunca mais.


Teresa foi uma pessoa antes de ser nome.

 

Foto do Henrique Araújo

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