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O amor não chega a tempo
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

O amor não chega a tempo


Li com interesse a história de vocês. Imaginei esses encontros numa cidade que tampouco domino. Meu único elo com Recife foi ter recebido cartas de lá, um primo que me escrevia com regularidade e a quem eu respondia com bilhetes.


Recife. Sei do carnaval e do frevo. E agora dessa história de separação, mas também de encontro.


Difícil seguir, eu sei, mas pense, e aqui falo principalmente pra ti, que talvez ela esteja bem. Não sei se têm mantido contato. Têm?


De todo modo, essa carta não parece sugerir um estado de ânimo dos mais alegres. Acho que comete um erro lhe escrevendo nesse tom de desabafo, quase uma rendição. Não se renda, não ainda. O amor não chega a tempo.


Por onde ela andará? Você não responde na sua carta, que, embora privada, foi tornada pública na internet. Foi lá que a encontrei: numa rede social. Acenei, disse um nome. E agora leio a carta de vocês. Melhor, sua pra ela, uma carta numa única direção. Quem sabe chegue ao mar. Ela vai ler?

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Essa dúvida você não tem. Ou talvez a tenha mesmo com todos os recursos de localização que as redes virtuais oferecem, como marcar uma pessoa em algo que se escreve.


É uma vantagem clara da postagem sobre a carta. Uma correspondência pode jamais encontrar seu destinatário. Um post sempre terá à mão esse mecanismo da precisa referência: marcar.


Você a marcou na carta que escreveu, mas me pergunto agora se ela vai ler de fato. Pode curtir sem ler. Pode ler sem curtir. Pode ignorar.


O que será pior? A falta que a ausência faz ou a agonia que a presença impõe?


Não tenho dúvida de que a ama. Amor é quase sempre impossibilidade, e você vive a sua num drama que conheço bem. Está nas linhas da sua carta malcriada pelo que tem de recuperação de um passado que ela talvez tenha resolvido deixar pra trás.


Já pensou nisso? Que ela preferisse esquecer? Que é inconveniente relembrar sempre em cartas intrusivas um sentimento que veio e foi embora?


Sim, talvez ela queira isso.


Eu sei que dói. Você é dos poucos amigos que tenho, um muito leal e querido. Nossa conversa sempre tão boa, fácil. Por isso lhe reservo toda a franqueza.


O amor não chega a tempo. E, quando chega, não dá pra quem quer.


Mas, enquanto isso, faça valer a procura. Esteja pronto. Não se renda. Não ainda. Eu digo isso e automaticamente me escuto falar. É falso. Não acredite em uma palavra de sensatez. O amor é bastante coisa para toda a gente que procure o amor.


Hoje mesmo vi uma imagem que me fez acreditar novamente na procura. Um coração na praia, a quarar, enfiado na areia, quase empalado. Um coração empoleirado, sozinho. Não dois, mas um, como uma oferenda que se atira ao mar a cada novo ano. Visto de perto, tinha umas portinholas coloridas feito uma casa. Isso é tanta coisa.


De imediato pensei nas rajadas de vento e sal, no gosto salgado de pele. Não sei onde, acho que nos Crush. Era Fortaleza, tenho certeza.


Uma hora todo castelo desaba, meu amigo, toda distância se arruína, toda proteção vira pó, todo trabalho se desfaz com um gesto irrefletido de abrir ou fechar, esperar mais uma vez ou ceder. O amor brinca com as lonjuras. Por isso tarda, por isso se perde, por isso basta.


Convém não perder o amor de vista, meu amigo. É o que tenho a lhe dizer. Porque, quando estamos assim, e talvez saiba como se sente agora, queremos acreditar que não haverá mais nada e tudo se consumiu em hipótese jamais verificada de uma tese ruim.


Não veja assim. Convém não se estragar a certeza de que amar é sempre oferecer o coração à prova do sal e do vento. O amor chega a qualquer tempo.

 

Foto do Henrique Araújo

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