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Salve a Fátima
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Salve a Fátima


Se tem algo que ainda salva o Brasil é a Fátima. Sim, a ex-apresentadora de telejornal que agora se diverte no Carnaval do Recife fantasiada de Mulher-Gato sentada no colo do boy enquanto sorri. E que sorriso, que felicidade, que leveza.


A Fátima é disruptiva. Olho pras suas fotos com o novo amor e penso: taí uma candidata. Queria votar nela, tomar uma cerveja com os dois numa mesa de plástico na beira da praia no fim da tarde. Perguntar o que ela acha do Temer, do Trump, do Woody Allen, mas saber também o principal: como foi essa virada? Deu muito trabalho reinventar a vida?


No fundo, eu queria mesmo era ver a Fátima subir na rampa do Planalto e nomear um ministério. Remodelar o palácio. Espantar as almas penadas. Exorcizar o Alvorada. Falo sério. Uma mulher assim precisa governar o País. Quatro anos pra desrecalcar e desintoxicar desse biênio nas mãos do Trevoso.

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Mas a gente não merece um encontro com a Fátima. A gente merece é o caldeirão do Huck e toda essa engenharia social fake, uma coisa postiça de casal global com a família estampada no rótulo da margarina. A camisa passada por dentro da calça, as crianças caucásias enfileiradas em escadinha, a alegria bem medida e regrada. Tudo muito cartesianamente prefigurado. O brasileiro não merece ir de Uber numa festa e depois andar pelas ruas de Olinda esfuziante de alegria. Merece ir de táxi no amigo-secreto de ex-alunos da escola com cerveja quente e Jorge Vercillo tocando.


E, além disso, a Fátima tem mais o que fazer do que se preocupar com o rombo no orçamento, a segurança ou a febre amarela. A Fátima tem urgência de felicidade e está muito empenhada em cuidar da própria vida de um jeito que cada um deveria tomar, senão como exemplo, que isso é muito cafona, pelo menos como inspiração.


Mirem-se na Fátima, quereria dizer. Mas mirar na Fátima seria também um modo de jogar nela uns holofotes e um peso cruéis. Por isso digo: esqueçam a Fátima. Parem de fotografá-la e de se admirarem a cada foto no Instagram, suspirando quando os pombinhos porejarem romantismo na timeline, amolecendo de ternura com as juras e travessuras do casal pelos quatro cantos do nosso vasto território nacional.


Isso mesmo. Façam de conta que a alegria da ex-âncora do Jornal Nacional é a regra e não a exceção. O normal é a Fátima e não a Cristiane Brasil. Finjam que a plenitude da jornalista é tão natural quanto a empáfia de João e Bia Doria ou a desconfiança que cerca o enlace entre Marcela e aquele-cujo-nome-não-se-deve-falar.


Repitam consigo mesmos: todo homem e toda mulher têm direito a gozar sem medo e a viver o desejo sem frescura como Fátima. E, eventualmente, curtir um Carnaval fantasiados seja do que quiserem se cobrir, Bátima, Mulher-Maravilha ou ministro do Trabalho.


Mas, lá no íntimo, não custa nada torcer para que, um dia, a gente possa chegar diante da urna eletrônica no mês de outubro e dar de cara não com Alckmin, Luciano, Lula ou Aécio, mas com a Fátima. Pode até não dar certo como presidente ou presidenta, mas ter uma pessoa feliz cuidando das coisas sempre vale a pena.

 

Foto do Henrique Araújo

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