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Eita
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Eita

Quando me perguntam que palavra define 2017, não tenho dúvidas de que a resposta é uma só: eita.

Sim, a interjeição tipicamente nordestina, salpicada ao final ou começo da frase pra designar surpresa ou comoção ou, como a gente gosta de falar, um súbito alumbramento, que é outra palavra boa pra dizer de um ano difícil.


Dois mil e dezessete foi um ano de alumbramento atrás do outro, antecedido por um “eita”, lacrando tudo e catapultando a conversa para um nível de admiração que não cabe na língua. Fico pensando que, na queima de fogos no aterrinho, bem na hora H, as luzes no céu poderiam perfeitamente formar um EITA luminoso sobre o mar de Iracema.


Ou que, ao lado da palavra Fortaleza bem ali na praia, pertinho do Mincharia, deveria haver, como complemento, um “eita”, e tudo ficaria muito mais bonito e autoexplicativo, inclusive para os turistas que chegam à Capital: “Fortaleza, eita!” ou “Eita, Fortaleza!” Acho que faria justiça a tudo, à cidade e às pessoas, às pessoas na cidade e às cidades nas pessoas.


Não é que seja uma palavra sonora, que nem é tanto. Há outras mais. Se o Will Nogueira organizasse um concurso de vocábulos genuinamente cearenses nos mesmos moldes do campeonato de rabissaca, “baitinga” ganharia, seguida de “farofa” e “sovaco”, que é outra favoritíssima. E só então viria “eita”, lá no pelotão do meio, ao lado de “tainha” (mergulho de cabeça) e “biloto” (um tipo de botão, mas pode ser muito mais que isso, inclusive aquilo).


Por que “eita”, então, caiu nas graças do cearense? Tenho uma teoria: pela quantidade de sustos e visagens de 2017. Este foi um ano em que descer a barra de rolagem das redes sociais era garantia de um “eita”. Abri o Facebook: eita. O Twitter: eita. Stories do Instagram: eita triplo. Dei uma volta de bicicleta no sábado de tarde: eita à enésima potência. Parei na sorveteria: eita. Passei na livraria: eita.

Comi pastel: eita.


De tanto soltar a interjeição, o nativo passou a andar com um “eita” a tiracolo, como um acessório obrigatório, tipo uma pulseira quântica ou uma Crocs do espírito. A cada esquina da cidade, eita. Novo quarteirão, eita. Virou um mantra das relações amorosas (mas logo eles? Eita), uma súmula da política (Eunício e Camilo? Eita) e um desabafo sincero quando nada mais era capaz de expressar com rigor semântico toda a nossa estupefação diante da realidade (roda-gigante na orla? Eita).


Eis, então, que eita se tornou essa palavra-ônibus, um Grande Circular da língua nativa no qual se apertam 30 passageiros sentados e outros vinte em pé e todos se perguntam se vão conseguir descer na sua parada ou apenas três adiante.


Isso é necessariamente ruim? Talvez não. Mas, no fundo, o que todo mundo deseja pra 2018 é um ano com menos “eita” e mais “bora”, uma contração da já contraída “embora”, que, por sua vez, é a corruptela de “vamos em boa hora”.


E como ninguém parece disposto a perder tempo, “bora”, às vezes, é apenas “bó”, um monossílabo que, apesar do tamanho diminuto, tem muito a dizer sobre disposição. Então, qualquer que seja a ocasião, vou preferir tascar um “bora” em vez de “eita”. É minha humilde receita pra felicidade no ano que vai nascer.

Foto do Henrique Araújo

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