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Deus no comando
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Deus no comando


Então amanhã já é dezembro, um mês curioso: está de bermuda e chinelo em casa, muito à vontade e sem nada melhor pra fazer, mas com uma pressa enorme de acabar. Nem fevereiro é tão agoniado quanto dezembro. Duvidam?


Vão à rua e andem pelo Centro. É uma algaravia de gente sobraçando sacolas e falando ao telefone em histeria. Querem saber quanto fulano calça, qual a cor predileta de beltrana, se a mãe vai assar o peru em casa ou na casa do vizinho porque o forno de lá é maior e nele cabem dois perus ao mesmo tempo.


Que frase infeliz para uma temporada natalina, mas o fato é que dezembro é incrivelmente sagrado e profano. Nem o Carnaval é tão voltado ao gozo. Estamos concentrados em roupas novas, camisetas pinicando no sovaco e sapatos castigando os dedos mindinhos, sem falar das fragrâncias dulcíssimas que espargimos nos ambientes onde se espreme uma dúzia de pessoas à espera da comida. Empacotados, airosos e famintos, saímos em périplo pelas ceias da noite do dia 24 petiscando mil e uma farofas, mil e uma tigelas de arroz (com ou sem uvas passas), mil e um cremes de galinha.


Ou de frango, que esse é um assunto muito polêmico. Tem gente que odeia. Eu adoro, e gosto de falar galinha mesmo, exatamente como minha avó fazia. É mais simpático e não tem essa frescura de atenuar o caráter popularesco que o prato representa. Verdade seja dita: nada traduz melhor o ethos do cearense do que o creme de galinha. De aniversários a batizados, passando por Natal e Ano Novo, nenhuma festa se sustenta por aqui sem uma travessa dessa iguaria. Ela é parte da nossa santíssima trindade gastronômica, que se completa com a farinha e o creme de leite.


Outro ponto delicado na correria de dezembro é compatibilizar o roteiro das festas natalinas e amigos-secretos. Por onde começar? Casais se desfazem por isso, parentes se engalfinham, irmãos vão às vias de fato, numa reencenação bíblica de cenas lamentáveis. É um mês reimoso no qual a fronteira entre harmonia e desavença é muito tênue: afinal, passar mais tempo na confraternização da família do namorado/marido ou da namorada/esposa? Dar mais atenção aos tios e sobrinhos ou aos primos e avós? Entabular conversa com aquela facção reacionária da família ou apenas cumprimentar protocolarmente?


É uma operação de guerra, que deve ser conduzida com o máximo de serenidade e perícia e tendo sempre em vista que é Natal e todos devem estar preocupados com o grande objetivo da festa, que é responder à pergunta fatal da Simone: o que você fez? É para isso que vivemos, afinal. Para, no fim do ano, ter o discernimento de chegar e pespegar uma resposta à altura da questão filosófica proposta pela cantora: eu não fiz porra nenhuma.


No mais, quem aí deseja cruzar a soleira da porta de saída de 2017 como o ex-casal Bonner e Fátima, levando arengas domésticas na algibeira? Ninguém. Portanto, é melhor garantir a segurança e o sossego de todos e evitar tretas aos 45 minutos do segundo tempo de um ano que se notabilizou pela capacidade de: 1) multiplicar o número de textões no Facebook; 2) aumentar o número de caracteres do Twitter; e, não menos grave, 3) levar a sério a candidatura de Luciano Huck à Presidência.


Por tudo isso, não brinquem com 2017 enquanto ele não estiver mortinho da silva e seu último papoco de fogos de artifício não for ouvido nos céus da Praia de Iracema na noite do dia 31 de dezembro. Até lá, é como diz o Eduardo Cunha: Deus no comando.


Foto do Henrique Araújo

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