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Fortaleza 2049
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Fortaleza 2049


Uma semana que começa com show do Aviões do Forró a la Mad Max e termina com festival de sorvete gratuito no shopping não pode ser de todo ruim. Algo sempre se aproveita, mesmo quando, no meio dela, um dos filhos do Bolsonaro resolve aparecer na cidade pra dizer que professores que ensinam marxismo merecem cadeia.


Afinal, são tempos mudancistas. Saem as Hilux do Ronda, entram as motos do Raio. Saem os trambiqueiros da Feira da Parangaba e seus videogames e celulares sem nota. Entram os chefes de facção e sua territorialização rigorosa, a ponto de fazer inveja aos técnicos do IBGE. Hoje, se você não sabe direito onde termina um bairro e começa outro, não pergunte a ninguém que trabalha na prefeitura ou governo. Dirija-se ao traficante mais perto da sua casa.


Nesse meio tempo, trocamos o policiamento comunitário, que já foi a menina dos olhos da política de segurança, saudada nas ruas com aplausos matutos à passagem dos veículos luxuosos tracionados nas quatro rodas, por homens usando balaclava e portando armamento pesado montados em garupas. Pela cadeira de chefe da segurança estadual passaram um intelectual que usava gravatinha, um pé de boi que trocava tiros com bandidos e, agora, um herói de filme de ação que talvez tenha visto muitos filmes do Bruce Willis quando era adolescente.


É o novo Ceará, o estado que planeja 2050 sem pensar no dia seguinte. Aliás, talvez pensando muito bem. Afinal, as arapucas para 2018 já estão armadas. Vejam o caso do Beto, não o meia ex-Ferroviário nem o Beto da Picanha lá do Carlito. Mas o empresário que deixa o comando da Federação das Indústrias do Ceará para: a) ir morar em Portugal; b) assumir a diretoria do Fortaleza; c) abrir uma farmácia; ou d) ser candidato? Na loucura destes dias da província do Siará Grande em que não conseguimos mais diferenciar um drone de um pirocóptero, todas as alternativas são possíveis.

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O quadro de algaravia se completa quando a gente lembra que vive numa terra onde a cultura precisa ser ocupada e, às vezes, sequestrada, sem pagamento de fiança. Do contrário ficamos a ver navios, como os do Sérvulo Esmeraldo, que voltaram a enfeitar a cidade, mas não salvam a nossa vida dessa estiagem infinita.

 

É um cenário quase distópico, típico de ficção científica. Como se vivêssemos aprisionados em uma realidade alternativa dirigida por Halder Gomes numa Sobral futurista na qual o falso arco do triunfo fosse um portal para viagens no tempo ao fim das quais só conseguiríamos chegar até o terminal de Messejana, já que, nesse porvir hipotético, o Metrofor ainda estaria em obras.


Mas tudo está perdido? Claro que não. Este pode ser o ano mágico do futebol cearense, com Leão e Alvinegro alcançando a redenção do acesso, o que não ajuda ninguém em porra nenhuma, mas talvez sirva de pretexto pra tomar umas cervejas a mais e até arriscar ficar feliz.


A outra coisa boa é que, repetindo o clichê supremo, faltam apenas 132 dias (131 agora) para o Carnaval. Reparem só: o brasileiro é o único povo do mundo a dispor de um contador exclusivo de dias para a folia. Para o Carnaval de 2022, por exemplo, faltam 1.609. Para o de 2027, restam ainda 3.015 dias de espera. Isso é um traço evidente da nobreza do nosso espírito. Ou talvez apenas da nossa viralatice bandoleira.

Foto do Henrique Araújo

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