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O lado bom do fim do mundo
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

O lado bom do fim do mundo


O lado bom de o mundo acabar no sábado é que não vai dar tempo de construírem nada nas dunas do Cocó, tipo um prédio ou um café gourmet pro gentio endinheirado se sentir bem frequentando um lugar que faça lembrar as férias de 2013, quando ainda não havia crise e o esporte predileto do País era dizer que aeroportos tinham virado rodoviárias.


O lado ruim é que, com o fim do mundo, vão-se também os ipês, amarelos e de outras cores, justo quando a gente percebe abestalhado que as ruas ficam bonitas com árvores, sempre tão poucas numa cidade novidadeira que se satisfaz com o escasso e celebra o pastiche.


O lado bom de o planeta dar PT é que, se tem de terminar, que seja logo, sem mais adiamentos, sem lero-leros, sem meteoro ou as sete pragas bíblicas, apenas a coisa em si chegando ao fim pelo caminho mais curto, ainda que doa.


O lado ruim é de tudo acabar num sábado, dia de jogo e de festa, momento pelo qual a gente espera pra ter um pouco de felicidade, tomar umas cervejas e ver o barquinho do Sérvulo no céu salpicado de laranja. Se a vida fosse justa, o mundo terminaria numa terça-feira na fila do banco ou na quarta antes de a caixa do restaurante perguntar se é débito ou crédito. Jamais num sábado.


Outra coisa boa do fim do mundo é que ninguém precisará passar por nenhuma cura, nem as crianças terão de estudar segundo uma cartilha politicamente correta, tampouco os professores se sentirão acuados se ensinarem o que é marxismo em sala de aula, nem qualquer pessoa será obrigada a escolher entre os nomes nas urnas ano que vem.


O lado ruim é que não veremos crescer uma geração de adultos para quem gostar de outra pessoa do mesmo sexo é apenas gostar e não um crime ou uma dessas enfermidades que pegamos porque nosso sistema imunológico está baixo e nós andamos descalços no terreiro quente, como nossas mães ainda gostam de dizer.


O lado bom de tudo se findar a três meses do fim do ano foi ter aproveitado os últimos dias de setembro pra andar de bicicleta e lembrar de esquecer que o tempo existe.


O lado ruim é que morreremos todos sem ter visto o Metrofor ficar pronto. Carregaremos essa falta para o outro lado da vida, como um Patrick Swayze com o nome no SPC/Serasa. Se houver mesmo esse outro lado, nós, cearenses, já chegaremos lá com uma pendência. Seremos as “almas sem-metrô” e aguardaremos num cantinho separado.


Uma coisa inegavelmente boa do apocalipse é que não terão concluído as obras da farmácia em frente à estátua da Iracema Guardiã, na quina da praia, lá onde o vento literalmente faz a curva. Eu ia detestar ter de passar em frente a uma venda de remédios bem naquele trecho no último dia do mundo, quando tudo seria urgente e o mar estaria mais verde-esmeralda do que nunca.


O lado ruim é que já terminaram a farmácia da Carlos Vasconcelos com a Heráclito Graça, e eu, de qualquer forma, precisarei cruzar com ela, na ida ou na volta.


O lado bom do extermínio coletivo é que não veremos novamente um 7 a 1 na Copa da Rússia ou em qualquer outra Copa do Mundo pelo resto de nossas vidas e mortes.


O lado ruim é que provavelmente o Fortaleza não vai ter tempo pra subir pra Série B. Quando estiver quase lá, depois de oito anos no inferno glacial da Terceirona, tudo acaba pro Leão. Sem prorrogação ou pênaltis, apenas o fim, como um impedimento na hora do gol. Como o amor de Paulo Mendes Campos. Como uma bola de sorvete ao meio-dia.

Foto do Henrique Araújo

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