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Mala, malinha e maleta
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Mala, malinha e maleta


Nunca a mala esteve tão evidente. A mala e o mala. A mala de dinheiro e a mala de roupa, que eventualmente são as mesmas, mas seus usos acabam determinando muito do que serão. A mala solitária e recheada, as malas em matilha abarrotadas de cédulas de cinquenta e de cem. O mala sem alça, a mala sem dono.


Tem a mala do ex-deputado ligado ao presidente correndo pela rua a evitar o flagrante decisivo. Inútil correr, inútil se esconder, as câmeras captam a carreira, e agora a mala é parte da nossa história, do nosso repertório de comicidades políticas, da nossa identidade como povo brasileiro. Uma nação-mala, teria escrito Gilberto Freyre. Uns malas cordiais, acrescentaria Buarque de Holanda. Uma mala-amante, cantaria Roberto. A mala somos nós, arriscaria uma realeza brasileira se no Brasil ainda houvesse um rei a pôr ordem nas diatribes do dia a dia.


Tem o Geddel, que virou nome de coletivo de malas. Assim, se se pergunta como se chamam muitas malas de dinheiro encontradas num apartamento ao acaso sem origem nem destino, alguém responde: um Geddel. O ex-ministro do presidente sintetiza o segredo de Fátima, o milagre da multiplicação, o esotérico no país bananeiro. É o mistério cujo segredo não convém revelar.


A mala define nosso estado de coisas atual. Hoje mesmo, feriado da independência, dia em que confundimos liberdade com militarismo, assistindo carros e contingentes das forças armadas pelas ruas de uma abrasiva Fortaleza, muito mala vai acabar deixando escapar que o melhor agora seria a volta dos militares. Que eventualmente também são uns malas porque fizeram alguns corpos desaparecerem em malas depois de moídos pela repressão que planejava fazer com que tudo coubesse numa mala: gays, maconheiros e outros bichos inconvenientes.


Das malas não escapa sequer a academia. Veja o caso de certo professor de jornalismo da Universidade Federal do Ceará. Achando-se na condição de homem e mala, duas coisas que quase sempre andam juntas, o douto houve por bem entrar numa discussão com mulheres a quem passou a chamar indistintamente de “feminazi” por discordarem de suas bobajadas. Recebeu prontamente o carimbo de mala sem rodinha, um agravante à altura se o dito professor não insistisse tanto em argumentos de autoridade (sempre maléficos) para defender seus pontos de vista. Em suma, um mala doutoral.


Mas não para aí. O bestiário é farto quando se trata de malas. Há o mala-burguês, o mala-artista, o mala-funcionário público, o mala-cauteloso, o mala-filtro de Instagram, o mala-diplomata, o mala-amigo dos poderosos, o mala de direita, o mala de esquerda e o mala de centro, o mala-sem partido e o mala-partidário quando convém, o mala-fit e o mala-desregrado, o mala-festeiro e o mala-ensimesmado, o mala-amoroso e o mala-desamado.


Há o mala-roda gigante, cuja estupidez gira em torno de um punhado de projetos que vão do brega ao kitsch, e o mala-poeta, cujos versos são como arrastar uma mala molhada e rasgada por uma rua calçamentada apenas pra chegar em casa e descobrir que a pessoa a quem se procura mudou de endereço há meses.


Foto do Henrique Araújo

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