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Agosto das tretas
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Agosto das tretas


Agosto se despede amanhã. Sua última semana trouxe ao Ceará Lula e Angélica e levou à presidência da Câmara um deputado chamado Fufuca. Vimos o petista arrastar pequenas multidões em cidades pauperizadas do interior nordestino e a artista estelar desfilar placidamente por um roteiro lado B de Fortaleza, posando ao lado de artistas da terra, deixando atrás de si um rastro de polêmicas que Renata Vasconcelos classificaria como chochas, inconsistentes, frágeis, mancas e capengas.


Agosto também levou Michel Temer à China e acabou com uma reserva ambiental na Amazônia, que depois seria recriada. O mês encerrou as atividades de um restaurante em Fortaleza e acendeu entre nós a discussão bizantina sobre segurança no entorno do Dragão do Mar, tema ao qual retornamos sempre que esgotamos outros três assuntos seminais: o surgimento de farmácias em cada esquina, o avanço do setor imobiliário sobre nosso patrimônio ecológico/arquitetônico e o desapreço dos governantes por nossa memória.


Mal havíamos entrado no pantanoso terreno das péssimas condições sob as quais o centro cultural funciona, abraçamos outra nova cizânia, num perigoso equilíbrio de temas inflamáveis: o lixo na praia dos crush, que, por se tratar de espaço ocupado por jovens de muitas classes sociais, logo se entendeu que deveria estar permanentemente limpo. Alguns ironizaram o fato de que os meninos e meninas que aplaudem o sol e pregam mais amor também sejam os mesmos que sujam a praia.

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Agosto também deixou claro que, em política, é sempre possível dar uma volta a mais no parafuso, fazendo do passo de dança uma queda. Foi o que demonstrou cabalmente o governador Camilo Santana, que, em companhia de Lula e sua trupe pelos sertões caririenses, levantou o braço do petista, mas sem pronunciar aquelas palavrinhas mágicas: Lula e 2018, que o chefe do Executivo reserva ao chapa Ciro Gomes. É mais um exemplo da porosidade de certas fronteiras, como escreveu o escritor David Foster Wallace num livro já clássico.


Este também foi um mês em que o fortalezense tretou a valer. Primeiro com os letreiros, depois com a Angélica, em seguida com as dunas, com a Câmara, com o secretário da Cultura da cidade e, finalmente, com um restaurante que comete esse anacronismo de repetir, nos dias atuais, o que as casas de shows faziam nos anos 1990: separar machos de fêmeas, cobrando ingressos com preços diferentes. Homens e mulheres já conseguem pagar pelo mesmo prato de comida. Não carece desconto, tampouco esse cavalheirismo fora de moda de oferecer um cardápio sem preço.

 

Em agosto também voltei a ouvir Belchior e a andar de bicicleta todos os dias. Talvez por isso tenha sentido tanta saudade e tanto medo em porções quase iguais. Medo de ficar, medo de ir, medo de ganhar, medo de perder, medo de desejar, medo de recusar, medo de exceder, medo de secar, medo de sentir, medo de insensibilizar. Saudade de tudo que ainda não vivi. Saudade da praia. Saudade de quando as nossas tretas eram mais amadoras, tretas de
várzea, brejeiras.


Foto do Henrique Araújo

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