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Gostos e desgostos nos bastidores de um restaurante
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Gastronomia vida & arte

Gostos e desgostos nos bastidores de um restaurante

Por trás das delícias servidas, há uma cultura que precisa ser quebrada: a grosseria nas cozinhas

Os anos mais difíceis da minha carreira no ramo de restaurante foram passados perto de um chef que causou danos não só com agressões físicas, mas com palavras. Ele regularmente intimidava o lavador de pratos, implicando, claramente tentando intimidar. Rotineiramente repreendia e humilhava o chef auxiliar. Não era de se surpreender que palavras com tom homofóbico e similares compusessem a trilha sonora da cozinha, cada uma jogada tão facilmente quanto uma piada, todas destinadas a atacar as diferenças percebidas em sua tripulação.

 

Há algum tempo atrás uma cultura de abuso perpetuada por chefs de restaurantes se revelou e veio a público. Embora eu esperasse ver esse aspecto da indústria de restaurantes sendo exposto um dia, surpreendi-me ao ler a gravidade das descrições de tais depoimentos e ao verificar que eles estão sendo levados tão a sério quanto outros abusos. Tenho lembranças de muitas histórias da cultura tóxico-endêmica nos restaurantes há anos, muito antes de alguém querer ouvir, porém, agora parece que é tudo que o público quer saber. Apesar de também expor e extirpar alguns assediadores, a indústria tem um longo caminho a percorrer para se tornar um lugar confortável para quem não tem energia defensiva. Muito disso tem a ver com palavras e de como construímos uma cultura com e em torno das mesmas.

 

A linguagem pode causar danos permanentes.

 

Um insulto mordaz, especialmente um projetado para vir à tona a vergonha ou a insegurança, pode sacudir o cérebro e mexer com o ego por anos, pois costumam classificar as pessoas por gênero, orientação sexual, classe social e nível cultural. Às vezes, inserir cozinheiros em um sistema abusivo os prepara para perpetuá-lo, pois aquele que tanto olhou para o colega tendo esse tipo de comportamento pode passar a ser um líder abusivo em um piscar de olhos. Outros podem ter dificuldades em permanecer no ramo.

 

A linguagem sempre esteve ligada ao poder e os restaurantes geralmente precisam de hierarquia para funcionar, porém, a linha entre liderança forte e abusiva é tênue. As cozinhas são literalmente estruturadas como brigadas militares e seu trabalho como soldado - cozinheiro - é seguir seus superiores em batalha - serviço, prestando atenção em qualquer coisa. Quando se é um "membro da equipe" pode significar que caso seu chefe faça uma piada de mau gosto, você se sinta obrigado a rir junto. Com o avanço da carreira, espelhar-se nos superiores na cozinha é quase uma certeza. Essa necessidade de um modelo a ser seguido é reforçada com o passar dos anos e não vai sumir facilmente.

 

Qualquer um que questione esse avanço necessário está fazendo isso com o medo da perda de poder, medo do desconhecido e o medo extremamente preguiçoso de ter que aprender a não chamar as pessoas de termos objetivamente depreciativos.

 

A linguagem compartilhada pelos homens que historicamente conquistaram e mantiveram o poder nessa indústria é uma peça-chave do andaime que sustenta essas estruturas.

 

Sugiro a todos os gestores deste ramo que se perguntem se a maneira como eles falam é realmente efetiva. Vamos nos questionar se a nossa maneira de dar orientação alguma vez desviou para o bullying e se poderíamos fazer com que nossas equipes executassem a nossa visão com uma abordagem mais gentil.

 

Cozinha em alta rotação exige comando, o ponto é ensinar a equipe a ler as partituras e tocar sem desafino... moleza.

 

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