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Conjugando o verbo pedalar
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Conjugando o verbo pedalar


Em boa parte das laterais do canteiro central da avenida Virgílio Távora acaba de ser pintada uma ciclofaixa. Tenho passado por lá em horas de intenso congestionamento de trânsito e estou positivamente impressionado com o comportamento dos condutores de automóveis. É que não vi qualquer carro ameaçando invadir o espaço reservado à circulação de bicicletas.

 

O motivo dessa empolgada perplexidade é que se passaram apenas cinco anos da data em que a Prefeitura de Fortaleza iniciou a implantação do sistema de rede cicloviária da cidade, com a ciclofaixa da rua Ana Bilhar. Naquele momento, a reação de moradores e motoristas - inclusive com situações de veículos estacionando e trafegando de forma afrontosa sobre a área destinada a ciclistas -, revelou-se um verdadeiro atestado de egoísmo social e incivilidade.

 

A persistência do poder público em seguir com essa iniciativa de mobilidade, mesmo contrariando pessoas e grupos insensíveis ao bem comum, prova que é possível flexionar os desvios de uma cultura marcada por ostentações e desinteresse pelo outro. O que se expressava como resistência e obstáculo, migrou em tão pouco tempo para um estado de aceitação de atos de respeito e gentileza.

 

A ciclofaixa em si já informa concretamente que no trânsito a preferência deve ser do mais frágil. Diz que para vivermos em uma cidade melhor, precisamos aprender a ceder. Como um espelho que reflete educação para a cidadania, sua existência joga luz no dualismo entre direito e privilégio, despertando as pessoas para qualidades sociais adormecidas, e traçando uma nova ordem de hábitos que, um dia, poderá conquistar calçadas sombreadas e a valorização do pedestre.

 

O mito moderno da velocidade esbarra sua intempestividade na dificuldade de deslocamento do transporte urbano. E é nesse entrave corriqueiro que se faz urgente a conjugação do verbo pedalar em todos os seus tempos, modos, pessoas e números, abrindo, assim, perspectivas de desaceleração como paradigma de vida saudável e de conforto individual e coletivo.

 

Há dez anos escrevi no artigo A sociedade pós-automóvel (2008) que seria inevitável chegarmos ao tempo das calçadas decentes, dos logradouros públicos arejados, das redes cicloviárias e das faixas de priorização para a fluidez de ônibus, táxis e carros com mais de duas pessoas em Fortaleza. Havia em mim uma frustração inquietante quando eu sonhava com isso.

 

Acumulava-se por toda a Cidade uma demanda por ciclovias. Percebendo o incômodo das pessoas com essa dialética da vontade e da negação, anos depois voltei a escrever sobre o assunto. No artigo Fortaleza e o cicloativismo (2011) ressaltei a necessidade de pensarmos em ecovias, corredores verdes, ruas e avenidas com fiação subterrânea e iluminação pública econômica, algumas delas fechadas aos domingos e feriados para recreação e lazer.

 

Puxo por essas lembranças como forma de balizar à expressão do meu contentamento de ver o executivo municipal avançando no processo de reumanização do trânsito de Fortaleza, e de poder constatar uma melhoria na educação de motoristas, antes praticamente dominados pela arrogância e pela busca de distinção social motorizada. Valho-me do fato presenciado para buscar a positividade dessa simbologia como vitórias em movimento: eu pedalo, tu pedalas, ele e ela pedalam, nós pedalamos!

 

Foto do Flávio Paiva

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