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A África sagrada de Fanta Konatê
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

A África sagrada de Fanta Konatê


Diz uma composição da cantora Fanta Konatê, que não é o fato de haver pessoas pregando o fim do mundo que o mundo vai acabar (Yelema so). Em outra, ela questiona a razão de algumas pessoas sentirem prazer em esnobar as outras, sem se darem conta de que todos vamos partir um dia (Uolobá). Eis o tom de chegada do álbum Fanta Konatê, e sua vida cantada em ritmo de ecologia comunitária e universal.


Mensagens de paz, alegria e fraternidade saem do ser profundo em cantos que jorram de dentro do peito dessa artista que encanta com sua energia e intensidade. Tambores, cordas e metais falantes tocam valores, crenças e venerações de um acervo de signos sonoros e humanos, evocados em movimentos rituais, artísticos, espirituais e sociais.


Em seu canto sagrado, Fanta Konatê responde a um chamado de sentimentos que atravessam o tempo no eco invisível de um sistema de expressão da oralidade. No disco que leva o seu nome, os temas trafegam por um campo de seres e quereres pulsantes, desencadeando ligas emotivas entre quem a escuta e o gestual potente que escapa do seu mundo interno.

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Ela sente para onde se dirigem suas mensagens porque sabe de onde elas se originam. Não sejamos materialistas, argumenta, mesmo que muitas pessoas nunca amem a quem não tem dinheiro (Milé). Ouviu isso dos Djembefolás (tocadores de djembé) e confirma que não é bom depender das coisas para ser feliz. E convoca a todos para dançar, para cantar belas melodias e para ser alegre, deixando também a fofoca de lado, essa mania de falar por trás, que torna difícil a vida em sociedade (Obetefó).


A ancestralidade dinâmica, que passa pelo futuro e inquieta o presente na música de Fanta Konatê, manifesta-se no lindo lamento, no qual ela canta a tristeza que sente pelas pessoas que passam fome e precisam de solidariedade (Kini Kini). O que fazer para multiplicar a felicidade, pede uma espécie de oração da gentileza nas coisas mais simples, como não fazer a maldade de assediar uma mulher bonita (Massô Nhumá/ Momain). Isso tudo é falta de respeito, insulto e ingratidão (Kedofé).


Como filha do Império Mandinga (Mandén), que teve seu apogeu no oeste africano entre os séculos XIII e XIV, Fanta Konatê canta que a união do seu povo nasceu dentro do amor, da diversão e do trabalho. Faz isso com muito encantamento, acompanhada pelos músicos Barba Marques, Pablo Prearo, Manu Neto, Fabio Serra, Josué Batista dos Santos, Richard Ferrarini, Koria Konate, Luis Kinugawa e a participação especial do Mestre Solo Keita.


Para cantar a África sagrada que carrega em si, Fanta Konatê desloca para a sua arte tramas seculares das culturas que fizeram o território habitado pelos Keitá, Konatê e outros clãs mandingas. A magia dessa obra musical tem desde os segredos dos bosques e das florestas, revelados pelos mestres caçadores, até o belo colorido da tecelagem regional, e os ventos arenosos que açoitam as caravanas dos pastores nômades.


É um disco que traz ainda variantes musicais do espírito das gentes das savanas, dos agricultores sahelianos, dos mercadores transaarianos e de tantos fragmentos dos abusos e das contribuições coloniais. Fanta Konatê nasceu em uma aldeia no interior da Guiné-Conacri e sua mensagem tem a grandeza das fontes orais tradicionalizadas, que dão permanência à alma africana.

 

Foto do Flávio Paiva

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