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No sapateado de Zé Augusto
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

No sapateado de Zé Augusto


É com muita boniteza e expressividade que o mestre Zé Augusto, da Cachoeira do Fogo, toca o sapateado que o distingue nas pelejas de caretas pelo sertão. De perto, bem de pertinho, só o vi uma vez, no alpendre da casa dele, em um dia de romaria das águas. Mas guardei comigo aquela cena forte de mascarados, ao som de zabumba com prato, rabeca e triângulo.


Quem ficou me dando notícias desse reisado foi o Orlângelo Leal, do grupo Dona Zefinha, que fez residência no assentamento da antiga fazenda do Zé Mineiro, localizada nas imediações do sítio da Dona Mundoca, a lendária parteira que por muitos anos era confundida com o próprio nome do lugar.


A Cachoeira do Fogo fica a vinte quilômetros de Independência, pela CE-176, no sentido Iapi e Tauá. Nos últimos tempos, daquela comunidade rural, tem sido a figura do mestre Zé Augusto a assumir destaque como referência da cultura popular na região dos Inhamuns.


Para mim foi uma surpresa boa quando recebi a notícia de que as educadoras e os educadores da História Viva tinham escolhido o mestre Zé Augusto para receber o Troféu Saci de Personalidade do Ano 2017, condecoração que ocorre dentro do evento de entrega do prêmio literário que leva o meu nome e busca incentivar a juventude independenciana a pensar e a escrever sobre temas relevantes da atualidade.


O reconhecimento à obra do mestre Zé Augusto é motivo de contentamento, pelo que ele desperta no olhar local de atenção às pessoas e grupos de valor que contribuem para dar sentido à vida comunitária, fortalecer seus laços e sociabilidade, por meio da dança, da música e do teatro de caretas.


José Rosa da Silva, o mestre Zé Augusto, nasceu em Crateús, em 1936, mas foi morar em Independência acompanhando o pai, que era um homem da roça. Desde menino aprendeu a trabalhar e a desenvolver atração pelo espírito brincante, tão necessário ao alimento da vida quanto os produtos da agricultura.


No universo da folia popular, o Reisado, auto natalino de origem ibérica, propagado no final do século XIX no Nordeste e em outras regiões brasileiras, foi a manifestação cultural à qual se vinculou de corpo e alma. As apresentações do grupo do mestre Zé Augusto compartilham bichos e adereços comuns a outros coletivos surgidos em Festa de Santos Reis.


Com máscaras pretas e douradas elevadas na testa e ornadas com flores em movimentos de alegria, emitindo sons guturais, repentes, improvisações e desafios poéticos, suas apresentações são entremeadas de cenas e temas que vão desde as elevações de boi aos saracoteios da burrinha dançarina, cada bicho com sua música e seu coro de mulheres cantadeiras.


Procuram impressionar nas rodas de folia em busca de aplausos e com isso promovem diversão e a integração social. Mais do que colher oferendas e celebrar com a comunidade a memória da atitude solidária dos Reis Magos, os brincantes da Cachoeira do Fogo criaram traços próprios de grande valor estético.


Encaretados, eles praticam o sapateado com botas de solado revestido de madeira. Em cimento queimado, como vi dentro do alpendre da casa do mestre Zé Augusto, o espetáculo ganha uma dimensão sonora e visual envolvente. O peito do pé desliza, sobe o bico do sapato e bate o salto, tudo em passos tão velozes que param o tempo. Ô de casa, ô de fora!!!


Foto do Flávio Paiva

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