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A expectativa dos acossados cidadãos

2018-06-24 00:00:00


Lá se vão anos a fio sem que as instituições responsáveis pela segurança pública no Ceará produzam algo de relevante para desmontar organizações criminosas e assassinas que atuam no Estado há, arrisco-me a afirmar, cerca de duas décadas. Por “algo de relevante” entenda-se investigações de envergadura, de longo prazo, usando as prerrogativas, inteligência e equipamentos que só o lado certo da lei tem condições de produzir.

Há anos a fio que por aqui a sociedade espera uma operação para confrontar e desmontar as estruturas criminosas organizadas que desafiam o Estado, o povo, a civilização, as leis, as instituições e a democracia. Afinal, se a estrutura é organizada ela tem comando, primeiro e segundo escalão, contabilidade, formas de se comunicar e, na ponta, um balcão onde os negócios se evidenciam.

Fugindo à regra, uma investigação passa a nos servir de referência quanto ao que pode e ao que deve ser feito. Para variar, a referência deu-se em São Paulo, o Estado que há quase duas décadas virou os índices de homicídios, passando a ser a unidade da Federação que, de longe, detém os melhores resultados do País, alcançando o limite do que é considerado tolerável pela ONU.

A investigação se estendeu à parceria com as estruturas policiais de MS, PR, RS, PA, AL, MG, GO, TO, RR, RN, AC, AP e MA. Ou seja, 14 estados. O alvo foi o PCC, a organização criminosa interestadual que há anos aterroriza o País. Infelizmente, o Ceará não integrou a operação que foi batizada de Echelon (“escalão” em grego).

A coisa por lá foi fruto de uma ação que uniu a Polícia Civil e o Ministério Público de SP. A operação nasceu a partir de algo que não temos por aqui. No caso, uma ação do setor de inteligência da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo.

No Ceará, seria como se a Secretaria de Justiça, que administra os nossos presídios, resolvesse usar serviços de inteligência para cumprir papéis inerentes ao trabalho de combater o crime dentro das penitenciárias.

Aqui, na Sejus, temos o “conselho de defesa dos direitos humanos” e o “comitê estadual de combate e prevenção à tortura”, mas não temos uma célula de inteligência criminal visando a combater as organizações criminosas que, como se sabe, são comandadas, em boa parte, de dentro dos presídios.

Pois bem. A Echelon levou à deflagração de uma das mais contundentes operações contra o chamado Primeiro Comando da Capital, “quadrilha que há 25 anos zomba das autoridades, ameaça a estabilidade democrática e atemoriza as populações de São Paulo e dos Estados em que se infiltrou”, como relata editorial do Estadão.

Em resumo, a Echelon teve como alvo o “departamento” do PCC responsável por coordenar a atuação do bando fora de São Paulo, o chamado “Resumo dos Estados”, subordinado diretamente à cúpula da facção criminosa.

Vejam como uma ação simples e barata deu à polícia e ao MP os elementos básicos para desencadear a operação: “Agentes da SAP simularam um problema na tubulação de esgoto da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior paulista. Os agentes então instalaram telas nos dutos de esgoto para reter cartas picadas que os detentos descartavam durante as inspeções feitas nas celas”.

“Muitas dessas cartas, quando reconstituídas pelo setor de inteligência da SAP, revelaram o teor dos chamados ‘salves’, ordens gerais para a realização de operações do PCC e para o assassinato de agentes de segurança pública e desafetos do bando emitidas pelos detentos para os membros da facção que se encontram extramuros”.

O trabalho permitiu a expedição de 59 mandados de busca e apreensão e 75 mandados de prisão preventiva em 14 estados contra um grupo de acusados de compor o PCC. No fim das contas, foi concretizado um dos mais duros golpes contra a mais relevante das organizações criminosas em atuação no País.

E nós? Bom, ao que saibamos, por aqui não há ações como a citada acima. Tanto que o crime impera e comanda os presídios. Como dito no citado editorial, “a regra é a leniência entre agentes públicos e criminosos”.

O fato é que sempre mantemos a expectativa de que a imensa energia que nossos governantes despendem para fazer política e marketing de seus atos se estendam também a essa área.

Certamente, seriam aplaudidos por milhões de cidadãos acossados por um punhado de criminosos. 

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