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Amizades de resultados

2017-04-15 17:00:00
Por dever de ofício, me obriguei a assistir vídeos e ler documentos de algumas delações premiadas. Em especial, detive-me nos depoimentos de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo. Com a prisão do filho, o patriarca reassumiu o comando da empresa e acabou por conduzir tanto a corporação quanto dezenas de executivos a colaborar com as investigações da Lava Jato em troca de condenações leves e, claro, da possibilidade de sobrevivência da empreiteira.

 

A postura de Emílio durante os depoimentos são uma peça à parte. Tranquilo, sorridente, bom narrador, o empresário se comporta ao estilo dos entrevistados das Páginas Azuis do O POVO, a tradicional entrevista das edições de segunda-feira. Sempre altivo, age, gesticula e fala como quem explana sabedorias e experiências elevadas.

 

A sua relação com o ex-presidente Lula foi exposta na cadência de quem relata amizades sinceras, fraternas e profundas. Certamente assim era entre os dois. Não há por que duvidar. Havia admiração. Provavelmente mútua. Na dimensão de cada um, souberam aproveitar no limite as possibilidades a exaurir em proveito pessoal e familiar.


Em um dos vídeos, após repetir seguidamente o quanto gosta de Lula, Emílio chega a perguntar ao interrogador se não era melhor desligar o microfone para que falasse a respeito do amigo. A inesperada sugestão não foi acatada. A autoridade pública disse-lhe que era melhor voltar ao foco do interrogatório. O pragmático Emílio se voltou para o ponto central como se nada tivesse ocorrido.


Em determinado momento, ao caracterizar Lula, Emílio relata o seguinte: “Ali é intuição pura, parece até feminina. Ele pega as coisas rápido. É um animal político, um animal intuitivo”. Curiosamente, a amizade entre os dois nasceu a partir da intermedição de um tucano ainda quando Lula era sindicalista. Foi Mário Covas que os apresentou.

 

Não é um problema a amizade entre um grande empresário e um presidente da República. Bons amigos são aqueles que entendem os papéis de cada um. Que entendem os limites e as circunstâncias que os cercam. Bom amigo é o que não deixa que as coisas se excedam transformando-se numa, digamos, amizade de resultados.


A coisa entre Lula e Emilio foi muito além das ajudas financeiras em troca de bons negócios e leis amigas. Em um texto que entregou ao Ministério Público, o empresário diz o seguinte: “A Carta ao Povo Brasileiro, feita com o propósito de acalmar o mercado financeiro, é um exemplo exato do tipo de apoio não financeiro que dávamos ao ex-presidente Lula. Essa carta tem muita contribuição nossa”. Pois é.


Como só os bons amigos podem dizer um ao outro, Emílio chegou a pedir moderação na ânsia por, digamos, ajudas financeiras: “Lembro-me de, em uma dessas ocasiões, ter dito ao então presidente que o pessoal dele estava com a goela muito aberta. Estavam passando de jacaré para crocodilo”.


Os acontecimentos sugerem que a coisa não terminou bem nem para um e nem para outro. Emílio foi condenado a quatro anos de prisão domiciliar e vive a dor de um filho na cadeia há quase dois anos. Lula certamente será condenado em um ou mais dos vários processos em que é réu.

 

São duas trajetórias dignas de filme. Trajetórias que se cruzaram constituindo um roteiro sem igual. Porém, de resultados trágicos para o País.


Fábio Campos

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