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Debate da 2ª instância é muito maior que Lula
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Debate da 2ª instância é muito maior que Lula

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O debate sobre prisão em segunda instância no Brasil tem sido, lamentavelmente, engolido pela discussão sobre prender ou soltar Lula. Muito mais que isso está em jogo. O debate é complexo e fascinante. Não penso que caibam simplificações e certezas. Não enxergo interpretação fácil.

 

O que diz a Constituição no artigo 5º, inciso LVII é: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Portanto, a prisão antes do trânsito em julgado é inconstitucional e fim de papo, certo? Na opinião dos ministros do Supremo Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, é exatamente isso. Não se pode iniciar a execução da sentença antes do trânsito em julgado.

 

Porém, Luís Roberto Barroso argumenta que a Constituição não estabelece como condição para a prisão ser considerado culpado. O que está escrito, no mesmo artigo 5º, no inciso LIII, é: "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". No inciso LIV é dito: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". E, no inciso LXI: "Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".

 

Não está dito em lugar nenhum: ninguém será preso até ser considerado culpado, com sentença em trânsito em julgado. Essa, portanto, não seria condição para a prisão. O entendimento de Barroso é seguido por Carmen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Essa é a questão fundamental: alguém pode começar a cumprir sentença condenatória sem ser considerado culpado?

 

A discussão é boa e menos rasa do que parece e do que tem sido travado em mesas de botequins.

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Inocente pode ser preso?

Não seria óbvio que ninguém deve ser preso sem ser considerado culpado? Não necessariamente. Primeiro, há várias possibilidades de prisão antes mesmo da sentença de primeira instância. Temporária, preventiva. Porém, são prisões cautelares. Não são início de cumprimento de pena. É diferente.

 

Mesmo assim, há vários países do mundo nos quais é permitida a prisão antes do trânsito em julgado. O Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionou sobre o tema pela primeira vez em 2009. Até aquele momento, era permitida prisão para cumprimento de pena já após a condenação em primeira instância. Durante 21 anos de vigência da Constituição, esse foi o entendimento. Há vários países do mundo, aliás, em que a prisão também pode se dar antes do trânsito em julgado.

 

No último julgamento, Gilmar Mendes e Dias Toffoli surgiram com meio termo: a prisão deveria ocorrer após sentença no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Porém, os que argumentam pela prisão após a segunda instância apontam que, no STJ e no STF, não se analisa mais matéria fática. Não discutem provas, autoria do crime. É na primeira e na segunda instância que se julga se o crime foi cometido e por quem. No STJ se julga se houve ilegalidade no julgamento e, no STF, se houve inconstitucionalidade. Isso em tese. Na prática, tem sido praxe os tribunais entrarem em todos os aspectos do processo.

 

Já a ministra Rosa Weber, em dois julgamentos em 2016, foi contra a antecipação do cumprimento da pena para antes do trânsito em julgado. No julgamento do caso concreto de Lula, ela foi contra o habeas corpus argumentando que seguiu a jurisprudência firmada no tribunal. Ou seja, se o debate for reaberto, ela tende a votar pela prisão apenas após o trânsito em julgado. E aí, possivelmente mudar o entendimento da Corte.

 

O ministro Alexandre de Moraes defende que presunção de inocência é relativa e não é afetada pela execução provisória da pena. Outro ponto crucial: a presunção de inocência é um dos pilares da democracia e do Estado democrático de direito. Até que ponto pode ser relativizado? Até que ponto o desejo por justiça permite manter preso alguém que, mais tarde, pode se revelar inocente?

 

Para além do debate em tese, há o impacto concreto do entendimento. Trato disso amanhã.

 

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