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O conservadorismo engoliu o liberalismo
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

O conservadorismo engoliu o liberalismo

Tipo Análise
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Até algumas décadas atrás, o oposto do conservador era o liberal. Ao menos na teoria, pois há a célebre máxima: "Nada mais conservador que um liberal no poder, nada mais liberal que um conservador na oposição". A partir da segunda metade do século XIX, outros matizes entram nesse jogo e a questão se torna mais complexa: anarquistas, comunistas, socialistas, social-democratas, até fascistas e nazistas. Contra vários desses segmentos, conservadores e liberais se unem. Não só eles. Talvez a principal referência conservadora na história, Winston Churchill não teve pudores em se aliar a Joseph Stalin contra a Alemanha hitlerista. Pouco antes de o Brasil eleger Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2002, comunistas e socialistas franceses pediram votos no centro-direitista Jacques Chirac contra Jean-Marie Le Pen, de extrema-direita. No Brasil, o PT tem sido a força capaz de fazer liberais e conservadores se unirem.

É curioso, porque isso costuma ocorrer com forças extremistas. E, paranoias à parte, o PT não é extremista. Pelo contrário, vamos lembrar que as posições moderadas e pró-mercado do partido levaram ao surgimento do Psol. O PT governou com PMDB, PP, PR, PSD. Chegou ao poder com apoio da Igreja Universal e de Antonio Carlos Magalhães. Governou com sustentação de José Sarney, Paulo Maluf, Fernando Collor, Renan Calheiros. Não, o PT não é extremista, não é comunista. Durante 13 anos, não transformou o Brasil em Cuba, na Venezuela nem fundou a Ursal. Só uma cabeça transplantada direto da Guerra Fria para imaginar isso.

O antipetismo antecede o recente crescimento do liberalismo. O desgaste do PT despertou em muita gente uma aversão ao partido que é mais mais forte que qualquer outra coisa. Essa rejeição encontrou no liberalismo o abrigo teórico para fundamentar o sentimento. Do ponto de vista conceitual, converteu-se no mais relevante contraponto ao que o petismo representa — algo entre a social-democracia e o estatismo mais desbragado. 

Nesta eleição, João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB) e Geraldo Alckmin (PSDB) representaram o ideário liberal. Foram atropelados pelo conservadorismo de Jair Bolsonaro (PSL).

Verdade que Bolsonaro vestiu figurino liberal. Tão autêntico quanto o apoio dos Ferreira Gomes a Eunício Oliveira (MDB). Bolsonaro não gosta nem entende de economia - isso ele diz. Quer ser presidente, mas não liga muito para a política econômica - em que pese isso ser talvez a mais crucial atribuição do presidente.

O liberalismo de Bolsonaro nasceu da aproximação com Paulo Guedes. No fim de novembro do ano passado, o candidato disse que sondou no mercado quem poderia indicar para a Fazenda. Chegou ao nome de Guedes, com quem começou a conversar. Logo, o economista virou o guru, o "Posto Ipiranga". O discurso liberal e reformista conquistou o mercado, pois é isso ou o PT.

Porém, não é esse fator que está decidindo a eleição a favor de Bolsonaro. Muita gente preferiria outro candidato, não estivesse o PT do outro lado. A eleição está sendo decidida pelo antipetismo. Perante a população, o conservadorismo venceu o liberalismo.

A disputa dentro do governo

O mercado comprou o Bolsonaro reformista — até por enxergar em Fernando Haddad (PT) um não-reformista e ter ficado sem alternativa. O mercado acredita que o candidato do PSL é reformista e liberal por não ter outra coisa em que apostar. Porém a história de Bolsonaro não é liberal coisa nenhuma. É estatizante, corporativista, populista, monopolista e contrária a tudo quanto é reforma. Estava ao lado do PT na oposição ao Plano Real. E, quando Lula fez a reforma da Previdência em 2003 e Dilma Rousseff (PT) fez outra em 2012, ele foi contra ambas.

O liberalismo será preponderante no eventual governo Bolsonaro caso o ministro se sobreponha ao presidente. Bolsonaro pode topar, para agradar o mercado e por não ligar para o assunto.

Sobre esse convívio entre liberalismo e conservadorismo no possível governo Bolsonaro, lembro do que escreveu certa feita Luis Fernando Veríssimo sobre o regime chinês: "A China determinou que todo o país seria capitalista e só o governo seria comunista — e deu certo".

Talvez o Brasil tenha um governo totalmente conservador, com uma economia liberal. Só não sei se dará certo.

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