Logo O POVO+
O sangue que goteja das mãos dos ditadores
Foto de Érico Firmo
clique para exibir bio do colunista

Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

O sangue que goteja das mãos dos ditadores

Tipo Notícia
NULL (Foto: )
Foto: NULL

O jornal O Globo trouxe ontem revelação de um dos documentos mais importantes e contundentes das últimas décadas de história brasileira. Informou a existência de memorando do então diretor da CIA, William Egan Colby, em 11 de abril de 1974, ao à época secretário de Estado americano, Henry Kissinger. Nele, é dito textualmente que o presidente brasileiro Ernesto Geisel autorizou pessoalmente a política de execução de adversários políticos.

O documento está disponível neste link (em inglês): http://bit.ly/2G5EfYA

Vamos ao contexto: os defensores do regime dos generais sempre afirmaram que eles não tinham conhecimento da tortura e dos assassinatos nos porões da ditadura. Desde essa época, há quem acredite que presidentes não sabem do que se passa debaixo de seus narizes. Muito antes da teoria do Domínio do Fato era evidente quão improvável era tamanho horror se passar sem o presidente saber.

Porém, essa revelação cai em cima justamente de Geisel. Foi o general ditador que iniciou a “distensão lenta, gradual e segura” que demorou uma década para acontecer. Ele sucedeu Emílio Garrastazu Médici, que governou durante o período mais brutal. Então, Geisel sempre teve a imagem do moderado esclarecido que pôs fim aos anos de linha dura e iniciou a caminhada para a democracia.

Pois, segundo o tal memorando, Geisel foi informado pelo general Milton Tavares de Souza sobre a política colocada em prática no governo Médici, quando 104 pessoas foram “summarily executed” - sumariamente executadas por volta do ano anterior (1973).

Ora, Geisel estava no poder havia menos de um mês. O fato de ele ser consultado para dar aval à continuidade ou não da política sugere que o antecessor, Médici, também sabia e havia aprovado aquela prática.

Além disso, na mesma reunião com Geisel estava o general João Baptista Figueiredo, que era chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI) e viria a ser sucessor de Geisel na presidência. Foi o último general ditador. Conforme o relato do memorando, Figueiredo sabia e apoiava a continuidade da política. Ou seja, pelo memorando, fica claro que três dos cinco ditadores sabiam das execuções como arma política.

Conforme o memorando, Geisel comentou a seriedade daquilo e o potencial de prejuízo dessa política. Então, pediu o fim de semana para refletir a respeito. Dois dias depois, afirmou que as execuções deveriam prosseguir. Mas, que deveriam se certificar que apenas “subversivos perigosos” deveriam ser assassinados pelo governo brasileiro. Também ficou estabelecido que Figueiredo deveria aprovar qualquer execução.

O memorando não diz como as informações foram obtidas. Porém, traz detalhes da intimidade do poder no Brasil, tratada entre algumas das mais importantes autoridades do governo dos Estados Unidos. Ninguém tenha dúvida, a Casa Branca havia mais de uma década estava informada e acompanhava com interesse o que se passava no Brasil. Sem dúvida, o memorando é a mais contundente evidência de envolvimento dos ditadores nas execuções realizadas pelo regime.

O documento foi localizado por Matias Spektor, pesquisador de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas.

O PAPEL DOS GENERAIS

Em momento no qual emerge a nostalgia dos militares no poder, é oportuno que venha a público o mais explícito documento do envolvimento direto dos generais ditadores na barbárie.

No mês passado, escrevi sobre o quanto de mistificação e desconhecimento havia nas análises que exaltam a ditadura. Mostrei como a educação perdeu qualidade, a inflação saiu do controle, o País entrou em recessão e a corrupção se enraizou. (Você pode ler neste link: bit.ly/ditador64).

Documento da CIA agora ajuda a derrubar mais mitos. 

O SEGREDO QUE PERMANECE

No memorando, o primeiro e o penúltimo parágrafo seguem sigilosos. São 19 linhas e meia. Fiquei intrigado.

A parte pública revela o presidente da República tratando com seu futuro sucessor da autorização para matar opositores. O que pode haver de mais grave para que tenham decidido manter em segredo?

Foto do Érico Firmo

É análise política que você procura? Veio ao lugar certo. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?