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Fracassamos, seguidamente fracassamos
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Fracassamos, seguidamente fracassamos

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Quantos de nossos fracassos como coletividade levaram ao assassinato de Marielle Franco? A tragédia traz uma compilação do quanto falhamos. Do quanto do melhor de nós se perde por erros, tão antigos quanto reincidentes. Não é mais um de tantos “casos isolados”. É um mosaico de infortúnios.

Uma mulher, negra, nascida e criada na favela. Uma intelectual, socióloga com mestrado em Administração Pública. Uma militante das causas sociais, cuja história foi denunciar iniquidades, distorções, absurdos de uma estrutura pública que oprime quem mais devia proteger, que segrega quem deveria ser priorizado, que marginaliza os mais frágeis e mais pobres.

Marielle foi exemplo do que deveria ser um agente público. Do vínculo com suas origens, sua comunidade, suas gentes. De ser voz de quem precisa. O sistema político é fundamentado numa representação distorcida, no qual representantes eleitos se posicionam aberta e reiteradamente contra os interesses dos representados. Marielle foi das honrosas exceções.

Ela foi assassinada por suas virtudes, pelo que fez de melhor. Seu assassinato é a derrota de um projeto de política inclusiva, no qual os diversos segmentos tenham voz e espaço. Pretos e pardos representam 55% da população brasileira, segundo o IBGE. As mulheres são 51%. Nenhum dos dois segmentos alcança sequer 10% do Congresso Nacional. Estamos longe, a séculos de distância de uma proporção equilibrada. Mas qualquer avanço é combatido.

A morte de Marielle é uma derrota da democracia. Na possibilidade de uma atuação política combativa, questionadora, crítica, fiscalizadora. É um fracasso das instituições como canal para encaminhar e pelo menos tentar resolver problemas e encaminhar demandas coletivas.

É uma brutal recusa em aceitar a política como instrumento para encaminhar ou ao menos refletir sobre segurança pública. A derrota de quem tenta usar mandato popular para contribuir por uma sociedade menos violenta.

O mais óbvio e atestado fracasso é o da intervenção federal no Rio de Janeiro. Numa cidade com Exército nas ruas e em situação de exceção jamais vista desde a redemocratização, uma representante eleita pelo povo foi executada. A quinta parlamentar mais votada. Relatora da comissão criada para acompanhar a intervenção.

As Forças Armadas não estão no Rio desde fevereiro, quando começou a intervenção de Michel Temer (MDB). O Exército patrulha as ruas desde julho de 2017. Vai fazer oito meses. O cenário só se deteriorou.

Fracassamos e não há outra conclusão possível. Mas o assassinato de Marielle não deixa de ser a expressão de importantes vitórias. Sim. Porque uma mulher negra da favela foi capaz de desafiar uma estrutura criminosa. Ela conseguiu combater um enorme poder, ser transtorno para um sistema ainda difícil de mensurar. Marielle incomodou em vida e sua morte precisa ser instrumento de incômodo muito maior. Ela foi assassinada porque sua vida atrapalhava negócios e métodos daqueles que
ela enfrentou.

A forma como foi morta não deixou dúvidas sobre os motivos e os propósitos. Precisava ser um recado para amedrontar e dizer: não ousem fazer o que ela fez.

Porque Marielle mostrou caminhos. No tempo em que vivemos, apontar direções, indicar perspectivas, possibilitar a esperança talvez seja a vitória possível e necessária.

Até porque, como dizia Darcy Ribeiro, detestaria estar no lugar de quem venceu. E a batalha ainda não terminou.

GRANDE CALMARIA

A secretária da Justiça do Ceará, Socorro França, disse que os presídios vivem “grande calmaria”. Desde janeiro, foram assassinadas 15 pessoas sob custódia do Estado. A situação preocupa e mais ainda quando os responsáveis por resolver acham que está tudo bem.

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