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Dom Edmílson da Cruz e do amor
Foto de Demitri Túlio
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Dom Edmílson da Cruz e do amor

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Minha fé é abalável. Não é feito a rocha que permanece mesmo com as ressacas de Iracema. É posta, mas não tem raízes acorrentadas a amor infinito nenhum. Não a desejo feito aqueles cadeados, trancados de amores, que pesavam sobre as pontes de Paris. Deus me livre de tudo que é perpétuo e único.

 

Fé sincera, penso, é a fraquejante. É a que confia, mas também espreita. Não por paranoia, mas pelo exercício amoroso de cuidar do outro. Sem declará-lo, covardemente, de infalível.

 

Talvez por isso, ou sem razão, goste de dom Edmílson da Cruz. Infelizmente, um dos derradeiros bispos de uma cepa progressista do Ceará. Ele não se enxerga assim, a expectativa é minha.

 

E prefiro não santificá-lo em vida nem quando se for. Tenho interesse, principalmente, por sua dimensão humana. Pelo corpo já torto e maldizeres das dores e da velhice. Por suas sabedorias e os deslizes de um ser vivente aos 94 anos de rua.

 

Fui à missa dos 70 anos de sacerdócio dele, na última quarta-feira, no altar teológico da libertação da igreja do Seminário da Prainha. Até voltei a comungar.

 

Valia à pena comer daquela hóstia que me contam, um dia quando criança, ser o corpo transubstanciado de um Cristo. Nem sabia o que era transubstanciação, mas aceitei porque mamãe e dona Julinha catequista insistiram numa história de amor.

 

Por confraternização a dom Edmilson comunguei pelas mãos de Marcos Passerini. Há alguns anos só comungo em alguns casamentos, missas de corpo presente e em festa semelhante a da comemoração de ordenação do padre antigo. Minha última comunhão havia sido na partida do professor Horácio Dídimo.

 

Pois bem, para mim dom Edmilson não é profeta. Não é mais importante que a adolescente trans reportada esta semana e os 14 anos de uma vida escrota, abusada aos dez anos e um rosário de exclusões.

 

Dom Edmilson não é Deus, ainda bem. Não é o papa Francisco, ainda bem de novo. É um homem que ainda faz a diferença por aqui por causa da preferência pela inclusão.

 

Diria por uma escolha de encarnar um ser humano, por acaso padre e mais por acaso ainda bispo, que fez opção pelos sobreviventes da miséria na Terra. Porque não sei se existe céu. Dona Julinha me repreendia, generosamente, dizendo que sim.

 

Pois dom Edmilson, espero que viva até quando quiser e se sentir bem. Sei que o senhor me dirá que o sopro é divino, pois que seja. Não é ruim ter fé em algum Deus, em alguma mata, em alguma chuva.

 

Tenho sorte de ter emparelhado meus dias com os vossos. É uma troca desigual. O senhor tem mais estrada e talentos e, portanto, multiplica e distribui abundante. Como sempre o fez. Muitas vezes só sua presença basta.

 

Só mais uma coisa, um dia o senhor me conta quantas vezes se apaixonou por mulheres e homens na caminhada até aqui. É do bicho, é do humano, é do amor.

Foto do Demitri Túlio

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