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Curso avançado de vaia
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Curso avançado de vaia

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Talvez seja isso mesmo, a vaia foi inventada pelo cearense. Melhor dizendo, para deixar de lado a mania de ineditismo dos empabulados daqui, as variações possíveis dessa manifestação verbal foram forjadas entre o litoral, as serras e o sertão do semiárido no Ceará.

Não que o resto do Brasil não saiba vaiar. Sabe. Mas não tem o aplomb, o gabarito que o canelau nativo possui.

É questão de protestar de uma maneira gutural. Talvez, herança dos índios que eram habitantes das terras do Siará Grande e se opuseram, resistiram, às invasões e às pilhagens de portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses.

Não tenho a comprovação histórica, mas imagino que havia algum rasgo de garganta para a hora do embate. E se seguia de uma vaia coletiva dos guerreiros tapebas, dos jenipapos-Canindés, dos paupinas, dos tremembés e de outras etnias incendiadas pelo sentimento de não querer ser escravo a europeu nenhum.

A vaia é incômoda mesmo, constrange, desconecta, pode ser violenta, preconceituosa ou um fervoroso ato humorado de se opor a um idiota ou um magote de bocós.

Por falar em arigós, fui informado que no dia 1º de janeiro, vários coletivos da vaia atuarão em homenagem à posse de Bolsonaro como presidente do Brasil. Uma manifestação democrática que inaugurará o "Fora Bolsonaro" para os quatro anos vindouros.

Para cada mancada do presidente eleito - do tipo chamar para os ministérios mais de um personagem envolvidos em processo de caixa 2, uma ministra da agricultura com dívidas agrárias ou para os nostálgicos da violenta ditadura de 1964 - haverá uma saraivada de vaia.

A vaia comerá de esmola para cada burrice como querer sair do Acordo de Paris e ignorar a COP 25. Ou querer acabar com reservas indígenas e falar besteira do naipe de cortar relações com a China por acreditar que lá o comunismo ainda é rei.

Os coletivos estão convocando para que se escute do Mauriti a Brasília a maior vaia nunca antes uivada com tanto gosto. Em intenção à escola sem cérebro e assexuada porque apenas "papai e mamãe são os que devem falar sobre sexo" para as crianças... A lista de marmotas merecedoras de vaias não é miúda.

Dilma foi vaiada, FHC também. Regina Duarte será vaiada, Temer não escapou... A vaia é democrática e não deixará de fazer parte do léxico das ruas. É um termômetro da aprovação de quem quer que seja.

Os coletivos de vaias se preparam para superar o feito histórico dos cearenses que vaiaram o sol na Praça do Ferreira há 76 anos. Era 30 de janeiro de 1942 quando se ouviu um ruidoso protesto.

Nuvens cheias, inchadas para chover, e eis que o sol resolve sair frustrando a esperança de temporal e bicas cheias. Foi uma vaia inesquecível até hoje, contada em narrativa de jornal e por Gilmar de Carvalho em peça de teatro.

Por sinal, no excelente Instagram do jornalista e escritor Tarcísio Matos - @tarcisiomatosce - há um Curso Avançado de Vaia. Com lições gaiatas e científicas sobre a tipologia do vaiador e cada intenção (muitas vezes "comunistas").

Imperdível a espiada e aprender com o dicionário vivo de T Matos. A vaia e suas possibilidades de inflexões são apenas um capítulo da vasta pesquisa sobre a apropriação da língua portuguesa pelas ruas do vasto mundo que é o Ceará.

 

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