Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Talvez, amanhã seja o dia mais importante da vida desde que a onda de retrocesso foi empesteando o País.
Será um dia marcante, feito um daqueles depois da noite de Natal. Dia seguinte, achando bom, mais ou menos ou ruim o presente recebido. Ou decepcionado, mesmo, porque presente não há.
Um dia semelhante, talvez, a um 1º de janeiro de todo ano e a expectativa de que algo será melhor só porque, na noite anterior, despachamos o amargoso que ficou do ano velho.
Dificilmente amanhecerá, debaixo da rede, uma boneca Amiguinha ou o Autorama do Fittipaldi. Para alguns, provável.
De qualquer jeito, seja qual for a encomenda, vou pra a rua assim que amanhecer. Entender o que será.
Meninos e meninas na calçada, uns puxando o cordão do carrinho de plástico, outras embalando bonecas de papelão, alguns de revólver e espoleta.
Fico lembrando! Quando não havia dinheiro para ir à Mesbla comprar um sonho de consumo - martelado o mês inteiro nos outubros - se reinventava a gramática da brincadeira.
Trepar goiabeira, jogar de pedra, chutar bola de meia no gol a gol, salgar cajarana verde, pular elástico, rachar com uma Canarinha cheia de óleo queimado no campinho de calçamento...
Presente, quem sabe, seja este tempo. Com todos os perigos e os riscos de voltarem os valentões, os preconceituosos, os que acabavam com a brincadeira porque eram os donos da bola.
Ou a volta das abestadas que faziam inveja porque só elas tinha a boneca que mandava beijo e andava de velocípede.
Ainda bem que uma geração de brincantes, nascida no pós-ditadura (1964-1985), não aceita mais os que querem acabar a brincadeira na porrada.
Um povo que não engole os que acham que meninos só brincam de bola e meninas, de boneca.
Um bando de gente que não conheceu o "cala boca, menino". Porque "cala boca", de verdade, já morreu faz tempo e ninguém manda na vida de ninguém.
Vamos fazer assim, quando o galo amanhecer e insistir em cantar - com presente ou sem regalo - vai ter brincadeira de qualquer jeito.
Talvez, amanhã seja o dia mais importante da vida desde que a onda de retrocesso foi deprimindo o País.
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