Logo O POVO+
Se há de morrer, que seja de amores
Foto de Demitri Túlio
clique para exibir bio do colunista

Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Se há de morrer, que seja de amores

NULL (Foto: )
Foto: NULL

[FOTO1]

Chico Buarque, com seus 74 anos de vida, me fez chorar quando desembestou Yolanda no sábado, 22. Sei que estou besta para chorar, um "civilizado" que ainda não teve a explosão de um black bloc.

 

Mas quem não está por uma peinha?

 

Prefiro meu corpo assim, mole para se emocionar com Yolanda e não fazer dele um disparo violento como fazem os que querem esse País armando seus filhos para se matarem ou encomendarem a vida de alguém numa pracinha, às 18 horas.

 

Se é para morrer, preferirei morrer de amores. Porque necessito de amores. 

 

E ver Chico Buarque ali, numa ilusão boa de alguém cotidiano da cozinha lá de casa! Cantando que as coisas podem ser além da truculência e do retrocesso... Foi uma suspensão do juízo.

 

E se Pablo Milanés fez desta canção um suspiro de amorosidade pela filha Linn e a amada Yolanda, tento pegar carona no mesmo sentimento. Para continuar acreditando que o Brasil não carece de tortura nem de torturador.

 

Viraremos amiguinhos, banhados e arrumados no fim da tarde para chupar bombom na calçada? Não. Mas o conflito tem de respeitar a vida e não embrutecer a morte. É hipocrisia ser cordial com quem defende o esfolamento físico e social do outro.

 

E numa linha do tempo histórico, há um rosário de absurdos contra os supostos vencidos desde as invasões portuguesas. Na verdade, antes mesmo, quando os índios daqui também se escalpelavam por algum poder.

 

É assim desde que fomos invadidos e estupraram as índias (nuas ou de poucas roupas) e construíram cativeiros para escravizados negros. Sempre houve divisão e a necessidade de se brigar pelo direito de seres humanos livres, donos de suas vidas, possuidores do direito à palavra.

 

Meu corpo oscila entre o suspiro de Yolanda e a contaminação da violência explícita pregada em discursos odientos. Mal saímos da ditadura, sequer encontramos todos os desaparecidos e a história volta pra cobrar pendências enterradas em covas rasas.

 

Talvez, a contemporização de aceitar aquela Anistia enjambrada esteja, agora, nos fazendo mal e ressuscitando Lázaros inconformados. Embrulhando o estômago com tanto discurso mortificante.

 

Mas a esperança vem a pé e na contramão. Chico Buarque me fez bem naquela noite, cantou isso e outras memórias.

 

Trouxe algumas imagens da minha meninice dos anos 70, 80... Que eu nem entedia quase nada, no meio da ditadura, mas fui desconfiando.

 

E Chico e muitos outros atravessaram para dizer "não" a volta deles...

 

Se for para viver ameaçado, prefiro morrer de amores.

Foto do Demitri Túlio

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?