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A onça pintada e a capivara
Foto de Demitri Túlio
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

A onça pintada e a capivara


Vejam esta história que chegou perto de mim. O perrengue enfrentado por uma família, mas outras encaram situação semelhante na Cidade. Pois muito bem. Quando a construção do VLT foi anunciada em Fortaleza, a tranquilidade de muita gente desandou.


E não era para ser assim. Veículo Leve sobre Trilhos é uma boa notícia para a mobilidade coletiva nos lugares onde o trânsito virou um caos. Caso daqui que há pelo menos 15 anos acua o espaço público.


Uma dessas famílias, obrigada a aceitar a remoção, está atualmente entre a cruz e a caveirinha. Enxotada de uma área próxima à Assembleia Legislativa no Dionísio Torres, bairro bem servido da Cidade, foi morar na Pavuna.


A Pavuna, para quem não conhece a cartografia do território amado, está no limite de Fortaleza com Maracanaú. É um problema ser removido para lá? Depende do ponto de vista da onça pintada e da capivara.

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Para a onça não há problema em ter nascido predadora da capivara. Mas para o maior mamífero roedor do Brasil não é confortável viver o tempo todo sendo acuado pelo felino. Sei que a metáfora pode parecer desconexa, mas não é.


Ser pobre, ter nascido e acontecer de morar numa área cobiçada pela especulação imobiliária e onde se concentram as melhores condições para viver, não pode ser fado.


Filho e mãe, antes moradores da zona bem servida de Fortaleza, tiveram de picar a mula ir para a Pavuna. E não haveria problema em morar na Pavuna se tivesse ali condição semelhante à Grande Aldeota para se conviver. O Dionísio Torres é bem mais servido do que lá.


Imagine antes fazer quase tudo a pé, por economia de grana ou falta dela, e agora percorrer grande distância? Acordar mais cedo ainda? Vigiar a enfermidade grave da mãe? Esperar por ônibus sempre lotado? fugir das facções? Voltar meia-noite e tanto para casa?

 

Mas, por benevolência do governo, a família foi sorteada com um apartamento na Cidade Jardim, no bairro José Walter. Bom pra eles? Não. Além de terem sido jogados para longe do local onde moravam, o condomínio do Minha Casa Minha Vida é dominado pela facção Guardiões do Estado (GDE).


Na última semana, o jornal noticiou na mesma Cidade Jardim mais uma expulsão de trabalhadores por essa coisa chamada GDE. E o agravante, a PM escoltou a mudança do casal. O Estado, de alguma maneira, fazendo um favor ao crime.


Uma inversão escrota. Os recém-casados não poderão voltar a morar lá porque arriscam cruzar com a morte. A Secretaria da Segurança até prendeu o bandido que comandou a expulsão, mas o que adianta se marido e esposa não deverão regressar à casa?


Pois foi na mesma Cidade Jardim que a família do Dionísio Torres, desterrada do VLT para a Pavuna, foi contemplada com uma nova moradia. E faz o quê?


Tenho uma sugestão que vai na canela de nós aldeotinos. E já aconteceu aqui na época da Luíza e Virgílio Távora. Por populismo ou sei lá a motivação, não deixaram remover da Aldeota a favela das Quadras ou Santa Cecília. Ficou no miolo bem servido da Cidade. Feito um gueto, olhada com preconceito, mas permaneceu.


O Campo do América e a Graviola são outras ilha na Aldeota.


Dizem que a grande Aldeota está saturada para construção de novos prédios. Até concordo, o trânsito caótico denuncia a concentração. Mas, na verdade, a afirmação deveria ser diferente.


A grande Aldeota sempre esteve saturada para construção de moradias para pobres ou removidos das grandes obras. Teria problema o poder público construir um Minha Casa Minha Vida em um desses 50 terrenos onde, neste momento, está subindo um condomínio promissor?

 

Pergunta idiota, né? Tem o Centro de Fortaleza também. Há uma porrada de prédios abandonados ou sendo transformados em estacionamentos. Lugar para morar há, o nó aí é não trazer pobres.


E o Poço da Draga, com o novo consórcio para ressuscitar o finado e oneroso Acquario do Ceará? Vai haver remoção de famílias para lugares menos servidos da Cidade?


Foto do Demitri Túlio

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