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Meu primo e o hospital Peter Pan

00:00 | 05/11/2017
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Pensei por esses dias em um primo que se foi muito jovem, aos 27 anos talvez. Demitri Túlio também era o nome dele. Meu tio Conceição, pai do rapaz, achou bonito e repetiu a graça. Coisa de família. Até já escrevi sobre o Demitri do Camocim aqui.
 


Vez em quando, vagueio pensando em quem foi retirado muito moço ou menino. Encasqueto sobre destinos inexplicáveis e que insistimos em tentar encaixar no cartesiano, numa lógica que não há.
 


Lembrei dele, talvez, por causa dos Finados. Pela estranha sensação de me ver no mesmo nome, pelo rumo diferente reservado para travessias diferentes.
 


E costumo dizer que o primo perdeu para pobreza, tomado por câncer “besta” de pele. Besta porque era coisa pequena no início, um sinal no nariz. Por falta de atendimento digno, foi perdendo partes do corpo até ser levado de vez.
 


Isso foi pelos anos 80 e 90, um suplício na vida do menino, adolescente e rapaz. Enquanto jogávamos bola no sol, Demitri era a criatura da noite. E se constrangia daquela condição, do corpo dilacerado, pele escamada... Um garoto que sumia.
 


Também penso se naquele tempo existisse o Hospital Peter Pan! O “se” é uma desgraça, mas poderia ainda estar aqui. Embora o destino ou narrativa traçada de cada um, se é que exista isso mesmo.
 


Pois bem. Quando tenho contato com os meninos e as meninas do Peter Pan, volto no tempo e o Demitri ressurge. Sempre rindo, apesar das dores, das dezenas de sinais queimados, das quimioterapias, das ausências de uma “desrotina” habitué de criança.
 


O Hospital Peter Pan, talvez o Estado e Município ainda não tenham entendido a importância na vida de quem amanhece um dia e recebe a notícia que o filho está com câncer.
 


Não é coisa fácil de ouvir, embaralha o dia, desfaz tudo e coloca uma interrogação grande no desenrolar do enredo. Vi meus tios, para cima e para baixo com o Demitri.

 


Contando salários, somando tostões, pedindo emprestado para ir ao Rio e São Paulo. O Inamps encaminhava, era melhor. Tio Conceição minguava favores nas casas dos outros, mesmo que fossem da família.
 


Acho herói quem enfrenta um labirinto do fauno igual a esse. No Peter Pan, a maioria é muito pobre ou miserável. 2.365 pacientes, de Fortaleza e do Interior, insistindo pela vida.
 


Andei falando na rádio O POVO/CBN sobre o McDia Feliz e a arrecadação de R$ 400 mil para a construção de leitos que estão pelo meio do caminho. Uma ação bacana.
 


Mas fiquei interrogado com o fato de o governador Camilo Santana de não ter repassado ainda R$ 1,5 milhão do Fundo Especial de Combate à Pobreza (Fecop). Duvidei, pois o vejo sensível. Olga Freire, diretora da Associação Peter Pan, me chorou.
 


Foi acordo firmado, trâmite legal, sem politicagem ou benefício de particulares. A única vantagem é para o Estado que desafoga o Albert Sabin. Minto, ter esse dinheiro no hospital representa mais 11 leitos e um sopro para a infância, adolescência e o porvir.
 


Roberto Cláudio, disse-me Olga Freire, também acertou investir R$ 300 mil na saúde do Peter Pan. É bom para o Município. Mas até agora, essa promessa ficou apenas na promessa.
 


É ruim o empenho de verba pública para investimentos inócuos como a Usina de Barbalha. R$ 15,4 milhões do Estado para comprar uma montanha de sucata e até hoje sem uso. Fui lá. Ou num aquário “público” que continua a afogar milhões.
 


O câncer, infelizmente, derrota mais fácil ainda a pobreza e não espera por bom tempo...
 


Caras leitoras e leitores, entro de férias hoje. Vou andar descalço em alguma praia, me meter em algum mato, curtir o ócio. Volto em dezembro com a coluna. Abraços e até mais ver.
 

DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br

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