PUBLICIDADE
Notícias

O exército dos mortos vai invadir a Aldeota

00:00 | 01/10/2017

Em 2014, narrei sobre “Chapeuzinho Vermelho morta a pauladas” no Maracanaú. Uma história verdadeira de uma menina que tinha nome de gente, Gerlânia Santos Medeiros, mas era chamada de “preá”.


Viveu onze anos e num belo dia (só que não), um lobo veio cobrar dívidas do crack. Terminou encontrada, morta, numa estrada. E ficou por isso mesmo o assassinato da menina e, antes dela, de dois irmãos, do pai e da mãe. Um povo de enredo sem final feliz.


Por que estou desenterrando uma morta e tão melancólico embaraço? Ainda mais por esses dias sombrios? Não sei traduzir o sentimento, mas desconfio que não me acostumo com a barbárie que tomou Fortaleza. Ainda me espanto.


Menos na Aldeota, apesar de apavorada, mais na periferia. Nos territórios fora do “Castelo” dos bestas, onde Prefeitura e Estado fazem de conta dar ouvidos ao medo de existir por lá.


Chapeuzinho Vermelho foi morta a pauladas. E, do tempo de sua brevidade interrompida até aqui, só pioram as tramas de exclusão, de matar e ter medo na Cidade.


E não é sensação, é tempo real. Pode até ser “sensação” por essas bandas de onde escrevo... Daqui da Aldeota, do Cocó, do Guararapes, do Bairro de Fátima...


Dos lugares onde ainda não tivemos um filho com a cabeça arrancada. Ou sobrinhos com dedos decepados. Ou corpos de parentes tocados fogo ou, depois de cruelmente desalmados, pendurados e exibidos, medievalmente, nos pés de pau da Barra do Ceará.


De terça para quarta-feira, agora, depois de cortarem uma orelha e feito o diabo com o outro, arrancaram o pulmão de um infeliz na Babilônia!!!! Imaginei a cena...


Talvez eu esteja tal qual Clarice e os 13 tiros em Mineirinho. “Esta, é a lei. Mas há alguma coisa que me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança; no terceiro me deixa alerta; no quarto desassossegada; o quinto e o sexto me cobrem de vergonha.


“O sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror; no nono e no décimo minha boca está trêmula; no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus; no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro”.


Ando aturdido não só com a Cidade desigual (besteira ficar pensando nisso. Foda-se!). Mas tenho pesadelos com o exército dos mortos que está se formando onde a minha diarista mora. Coitada! Quase todo encontro tem um tiroteio para narrar aperreios.


Tenho a impressão que todos os assassinados, 12 ou 15 por dia, estão se preparando para voltar a Fortaleza. Desenterrados aos montes, olhos azuis, acompanhados de um dos dragões. Principalmente, as hordas de jovens que não conseguiram chegar aos 20 e poucos.


Amanhã é mais uma segunda-feira e tudo, parece, continuará na mesma.

 

Um amigo me contou que todos os presídios, agora, estão separados por facções. O Estado não manda mais, vigia. O Auri Moura Costa, único feminino, levantou muros até o teto entre as vivências e separou PCC, CV, GDE e Massa Carcerária. Está sem jeito.


Aqui fora também. A não ser que os ricos da Cidade acordem, deixem de ser mesquinhos e dividam o lucro contra a morte.


Caso não, procurem onde comprar escama de dragão para enfrentar o exército dos assassinados que está pra invadir a Aldeota...


DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br



TAGS