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O Fim do namoro com a cidade

00:00 | 17/09/2017
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Andar a pé pelas ruas de Fortaleza poderia ser melhor. Não é nem perto do mais ou menos. Quem teima, ou porque não tem pila para se deslocar de outro jeito ou por apreciar o caminhar, descobre que a Cidade não se reconstrói com a cabeça pensando no pedestre. 

 

Ir com os dois pés, a cadeira de rodas, a bengala, com um pé e a muleta ou outros jeitos de querer se transportar sem ser de automóvel, bicicleta, moto ou de ônibus pode ser o fim de um dos encantos por Fortaleza. 

 

Mesmo tanto afeto não resiste a um destino sem sombras, calçadas em desalinho, mesas, carros, pista demais e outros troços no meio da passagem... Ou um assalto, comum, em qualquer esquina. 

 

E olhe que ir, voltar e entrar por ruas ainda não caminhadas era pra ser, sempre, um gozo que não se quer finado. 

 

Poderia ser daqui para o Maranguape. Ou feito o senhor moço, pelo menos 60 anos, que se tira de Caucaia a Fortaleza para a Embrapa. E quais prazeres ele vai tendo pelos destinos? 

 

E quais histórias vão rodando enquanto dá mil, cinco mil passos? O que consegue enxergar no mesmo itinerário todos os dias? Quais arrependimentos tem quando encontra algo que deveria ter parado para perder tempo? 

 

A gente é um bicho que foi ficando muito às avessas. Começa, não nos olhamos mais feito onça. Se ainda fosse assim, os percursos a pé ainda seriam um vento nos olhos. 

 

É porque passamos a crer que deixamos de caçar. De rodar em busca da água. Que perdemos a vontade de encontrar outro bando depois de uma migração particular ou da mudança que a Lua nos faz. 

 

Passou a ser assim, uma ideia capital. Quem anda a pé estaria na derrota. Nem dinheiro para ônibus! Coitado! Nem um fusca ou uma bicicleta só os queixos? 

 

E andar a pé, em cada bairro, tem significâncias diversas. Na Aldeota, pode ser a fumaça da derrocada ou coisa de gente fresca que foi a Bruxelas e voltou cheio de moda. Ignora o sol no quengo e o traiçoeiro nas calçadas. 

 

No Porangabuçu, deixar de andar a pé era ascensão e desconfiança. Chamava atenção para a vida do vizinho. De uma hora pra outra, o fulano deixou o pé-dois? Não pega mais ônibus? Comprou um Rural?! Hummmm. Estaria afanando... 

 

Ora, ora, andar a pé é uma liberdade. 

 

Guilherme, um amigo com capacidade reduzida de andar, teima com a Cidade que não lhe favorece o corpo. Passei de carro, pela Washington Soares, e o vi na ciclovia insistindo com a cadeira de rodas de Isabel - sua namorada. 

 

Eita rapaz teimoso com Fortaleza! Não há calçada que preste. Não há sombra contínua. Não existem travessias especiais. Há rampas nos trajetos. Falta gentileza em motoristas e ciclistas... 

 

E o Guilherme não desiste de ser pedestre! 

 

DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br

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